Blog do Ronaldo Evangelista

Categoria : Abre aspas

Caetano e Gil na Ilha de Wight, 1970
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Ronaldo Evangelista

Quando partiram do Brasil em julho de 1969, primeiro para Portugal, depois para a França, Caetano Veloso e Gilberto Gil já davam o tropicalismo como morto. Foi angustiante, mas de certa maneira também libertador: focaram ainda mais na beleza das canções e força dos happenings, passaram a compor em inglês e ampliaram a visão cosmopolita. Quando afinal se decidiram por Londres – e lá moraram pelos dois anos seguintes -, tiveram acesso direto ao pop global da época, em mais de um sentido.

Ainda em 1969 foram à segunda edição do Festival da Ilha de Wight e viram Bob Dylan ao vivo. No ano seguinte, em 1970, foram lá assistir Jimi Hendrix e Miles Davis. O show de Miles, com uma única música, chamada “Call it anything”, trazia Airto Moreira na percussão e na versão lançada em DVD dá até pra ver o Gil na plateia assistindo.

De repente, logo depois do show do Miles, ouviu-se ao microfone: “Brazilian composers Gilberto Gil and Caetano Veloso, invited to the backstage by Miles Davis!” Eles atravessaram as 600 mil pessoas e chegaram ao camarim, onde encontraram o responsável pelo chamado, Airto, e conheceram Miles.

No terceiro dia do festival, viraram atração e subiram ao palco com mais de uma dezena de brasileiros (Gal e os músicos d’A Bolha também estavam no festival com eles) para cantar algumas das novas canções em inglês e protagonizar um happening que envolvia uma roupa coletiva de plástico vermelho (criação de uma artista plástica francesa) e fim apoteótico com vários nus no palco.

A reação foi um público “delighted” e uma crítica na revista Rolling Stone dizendo que, em comparação àquilo, o que havia acontecido nos dias anteriores era simples “psychedelic muzak”. A primeira nota na imprensa americana a respeito de Caetano e Gil.

Quando fomos à Bahia há pouco, Caetano comentou que lembrava detalhes da nota na Rolling Stone de memória, mas nunca mais a tinha visto, que aquilo tinha que ser encontrado. Aceitando o desafio, Paulo Terron, editor da RS brasileira, fez a busca e encontrou:

Via.

(Foto daqui.)


uma forma antropofágica de relação com a cultura
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Ronaldo Evangelista

Em agosto de 1968, Caetano e Gil integravam um espetáculo da empresa têxtil Rhodia e planejavam como injetar mais Tropicália no zeitgeist da música brasileira. Um dos grandes projetos era o especial de TV Vida Paixão e Banana do Tropicalismo, escrito por Torquato Neto e José Carlos Capinan para a Rede Globo, com grandioso elenco e anarquias a granel.

Nunca foi o planejado (a Rhodia quis mexer, depois não quis patrocinar, depois a Globo adiou várias vezes a exibição), mas na noite de 23 de agosto de 1968, foi registrado o piloto, na gafieira Som de Cristal, na rua Rêgo Freitas, centro de São Paulo. Detalhe muito simbólico é que Vicente Celestino, que passou a tarde no estúdio ensaiando para sua participação, morreu à noite, logo antes de começarem a gravação – primeira vítima fatal da Tropicália.

O que finalmente foi ao ar, no dia 27 de setembro, levou o nome de Direito de Nascer e Morrer do Tropicalismo, hoje só na memória de quem assistiu ou estava presente. Pra posteridade, logo abaixo, as 14 páginas do roteiro original de Torquato e Capinan, com aparições de Chacrinha, Aracy de Almeida, Linda e Dircinha Batista, Nara Leão, Tom Zé, Gal Costa, Grande Otelo, Os Mutantes, Rogério Duprat, Jorge Ben e Dalva de Oliveira – todos presentes na gravação em carne e osso.








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Roteiro via.
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Galvão bloga
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Ronaldo Evangelista

Se você já leu o raro livro Anos 70: Novos e Baianos, escrito por Luiz Galvão, pode ter uma ideia do que é a fluência do seu texto, oral e idiossincrático, pessoal e dono do próprio raciocínio – entremeando pensamentos, histórias, lembranças, causos, letras, filosofias, prosa & poesia.

Quase como uma continuação é o blog onde vem escrevendo há pouco mais de um ano, osnovosbaianos(.wordpress.com), passeando por momentos dos Novos Baianos, de Tom Zé, de Gil, de Baby e, bastante, de João Gilberto – conterrâneo de Galvão, de Juazeiro da Bahia.

§Que o Acabou Chorare existe como o conhecemos muito por causa de João Gilberto, você já sabia, por exemplo. Mas e que essa relação começa ainda antes de João gravar seu primeiro disco, em sua Juazeiro natal, quando João mostra ao jovem conterrâneo Galvão aquele seu novo som?

Galvão conta a história:

[…] Sempre o reverenciei, desde os primeiros dias com ele em 1959 quando o ilustre conterrâneo passou alguns dias em nossa cidade antes de acontecer no mundo Brasil e no exterior. Na ocasião mostrou-me as duas músicas Chega de Saudade e Bim Bom, que as lançaria em compacto. Fiquei extasiadoao ouvi-las, e ao retomar o fôlego percebi que a música mudou de antes para depois da batida e do jeito de cantar de João Gilberto, e dali pra frente tudo que eu faço, seja em poesia, música, teatro literatura, cinema ou futebol tem o dedo de João Gilberto.

Eu era colega de colégio e tinha como principal amigo o seu irmão Jovininho, mas passei a andar mais com o João, e foram noites de bossa na beira do rio São Francisco, com violão e canto do além maestro J.G. Comprei duas bicicletas e deixei uma com ele. Foram passeios e vida por mundos nunca dantes navegados.

João está acima de par e impar além de incomum, só o comparo a Einstein, Platão e outros grandes inventores, e para ilustrar essa afirmativa lembro alguns momentos com ele lá em Juá e no Rio de Janeiro: Mostrei para ele uns três poemas que nem existe porque se perderam naquele meu momento poético inicial, mas João consegui ver o meu potencial e disse-me que eu era poeta e convidou-me para ir com ele fazer música para a Bossa Nova, respondi que não iria em razão do meu plano de estudar Agronomia. Ele falou: “Você um dia vai fazer coisas no Rio e em São Paulo, porque você pensa e o mundo é de quem pensa”.

Passado alguns anos eu escrevi uma carta para João Gilberto dizendo-lhe que ia fazer o que ele disse , e viajei para a Cidade Maravilhosa, e o saldo foi a história Novos Baianos, escrita com arte vida, amor e futebol.

§O mesmo assunto é também foco de livro que Galvão prepara há anos e promete pra breve: João Gilberto, A Bossa: Mistérios da Música Revelados em Shows e Gravações.

§A imagem é pôster do show que Galvão apresenta hoje em Salvador, Teatro do Iderb: Poesia, a Língua de Deus e Minha.


Conselho para um jovem compositor, de Tom Zé
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Ronaldo Evangelista

Tom Zé contou em seu blog que um “veículo norte-americano” fez a pergunta tantas vezes feita a tantos: que conselho ele daria a um jovem compositor. Com sua invulgaridade de pensamento e precisão para o importante, atenção, respondeu assim:

Aqui.

Tags : Tom Zé


cordiais saudações
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Ronaldo Evangelista

§Ligue o rádio, ponha discos, veja a paisagem, sinta o drama: você pode chamar isso tudo como bem quiser. Há muitos nomes à disposição de quem queira dar nomes ao fogo, no meio do redemoinho, entre os becos da tristíssima cidade, nos sons de um apartamento apertado no meio de apartamentos.

Você pode sofrer, mas não pode deixar de prestar atenção. Enquando eu estiver atento, nada me acontecerá. Enquanto batiza a fogueira – tempo de espera? Pode ser – o mundo de sempre gira e o fogo rende. O pior é esperar apenas. O lado de fora é frio. O lado de fora é fogo, igual ao lado de dentro. Estar bem vivo no meio das coisas é passar por referência, continuar passando. Isso aí eu li uma vez no Pasquim.

§Isso aí eu li uma vez na coluna do Torquato Neto, Geléia Geral, publicada no jornal Última Hora, 1971.

§A imagem, recorte da mais famosa coluna de Torquato, para abençoar a estreia.

§O blog Vitrola foi criado em junho de 2001, com a simples premissa de observar ao redor pelas coisas mais legais e menos óbvias, compêndio de tudo de interessante, desde sempre com o olhar no especial. Dez anos depois, a nova casa das investigações artísticas, base de operações de textos e ideias, é aqui no UOL.

Momento de atualizar favoritos e RSSs. Valeu pelo que foi, salve o que virá.
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