Blog do Ronaldo Evangelista

Categoria : Evangelista Jornalista

Estado de sonho
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Matéria ontem na Folha Ilustrada sobre o disco novo de Kassin, Sonhando Devagar, saiu acompanhada de crítica minha, despertando, abaixo.

Os sentidos adormecidos, a percepção ainda livre de influências exteriores, aquela momentânea incerteza sobre o que é real e o que é imaginado: nossa sensibilidade fica aguçada de uma maneira muito particular quando acordamos, envolvendo o ritmo do mundo em estado de sonho.

Esse espírito difuso, leve e agradável, dos nossos primeiros momentos despertos parece ser o registro em que existe “Sonhando Devagar”, o primeiro disco solo de Kassin – ou segundo, ou terceiro, ou quarto, dependendo de onde começar a contar.

“Eu sonhei” são as primeira palavras do disco, e a ideia permeia letras e inspirações, liberdade conceitual de cantar sobre calças de ginástica, bolhas de sabão, telefones fora de área, bebês no sofá, suor e sorvete, câimbras noturnas e mioclonia.

Ironia bem humorada e psicodelia tropical, brincando com o absurdismo de literalidades, trava-línguas, oposições, inversões, malandragem, detalhismo espirituoso, simplicidade de intenções, excentricidade divertida – a mesma abordagem heterogênea e espontânea para conceitos e para sons.

Cruzando timbres de discos brasileiros dos anos 70 com pop japonês, bolero e samba-rock com indie e eletrônico experimental, música doce sobre sangue de foca e discopunk safada, Kassin funciona no encontro, no atrito, na confluência.

Se no mundo nada se cria e nada se perde, tudo se transforma, o mais interessante da obra do produtor e compositor é ver seu talento alquímico de transmutação de material bruto – estilos, referências, sons, ideias cotidianas – em pequenas pérolas pop de sofisticação casual. A ponta da criatividade nas recombinações, a justaposição de elementos já em si uma nova criação.

Tags : Kassin


Conexão Nave-Mãe
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Muito estranho terminar a sexta vendo George Clinton no auge aos 70 e começar o sábado sabendo da Amy partindo aos 27, alegria total à profunda tristeza fatalista. Seja como for, alheios aos caminhos que Amy trilhava, nós e Clinton abusávamos da madrugada, comemorando o aniversário do capitão da nave-mãe em grande estilo, libertando o quadril e expandindo a mente. Abaixo, a crítica que escrevi direto do front, publicada na Folha.

Talvez se você já conhecesse algum dos discos de suas clássicas bandas Parliament ou Funkadelic ou tivesse lido sua autodescrição como “guarda de trânsito” no palco entre mais de 20 músicos, poderia se considerar preparado para um show de George Clinton em toda sua apoteose.

Mas a nave-mãe pousou com estilo extra na madrugada da última sexta-feira, apresentação do mestre funk dentro de festival “black” – de saída especial por ser a comemoração em pleno palco do aniversário de 70 anos de Clinton.

Recepcionado pelos rappers Flavor Flav e Chuck D, da banda Public Enemy, que apareceram de surpresa para participação logo no início do show, George Clinton entrou no palco de quepe de piloto, orquestrando a balbúrdia dançante no meio de um guitarrista mascarado e uma vocalista patinadora, entre outros personagens.

Quando apareceu um bolo no palco para acompanhar os parabéns que todos cantavam, Clinton sem hesitar arrancou um pedaço com a mão, serviu-se e ainda lambuzou os rostos de seu guitarrista e Flavor Flav.

Apesar das extravagâncias, a banda seguia absolutamente perfeita em cada nota, acorde, solo, dinâmicas em hits como “Give up the funk”, “Free your mind and your ass will follow”, “Flash light”, “Knee deep” e “Mothership connection”. Aula de música dançante, lição de diversão e libertação. Não à toa, na plateia o icônico dançarino Nelson Triunfo exibia um dos maiores penteados afro já vistos no Brasil.

Em “Somethin’ stank” (de letra que diz algo como “senti o cheiro e quero um pouco”), Clinton convocou ao palco a neta rapper, Sativa Clinton, e fez sinais encorajando ao público que fumasse. Pediu e foi atendido: um presente encostou no palco e lhe ofereceu um cigarro enrolado à mão (presumivelmente um baseado), que Clinton acendeu ali mesmo, na hora.

Entre música máxima, performances algo surrealistas e o irresistível chamado à diversão em tempo integral de Clinton, não foi muito diferente do que se esperaria de uma viagem psicodélica a outra dimensão. No caso, ao universo colorido e particular de George Clinton.


Feliz aniversário, George Clinton
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

George Clinton, mestre-guia da diversão interestelar, comemora 70 anos hoje, no palco do festival Black na Cena, que tem ainda Jorge Benjor, Lee Perry com Mad Professor, Racionais MCs, Public Enemy, Seu Jorge. Conversei com o capitão da nave, aproveitei para dar parabéns e perguntar para sobre a confusão ordenada de seus shows, o DNA do rap, o ímpeto da diversão e nunca parar. Ontem saiu em matéria na Folha, quase como abaixo.

Liberte sua mente que seu traseiro vai junto. A máxima de George Clinton, título de um álbum do Funkadelic de 1970, parece ser mote de festivais em 2011, convocação à dança aos sons da música negra, de funk antigo e moderno ao hip-hop e até samba-rock.

Além dos recentes shows no Brasil de Amy Winehouse e Sharon Stone e dos anúncios de apresentações de Prince e Macy Gray (no Rio de Janeiro em agosto, no festival Back2Black) e Stevie Wonder, Jamiroquai, Joss Stone e Janelle Monáe (em setembro no Rock in Rio), acontece de sexta a domingo em São Paulo o megafestival Black na Cena, na Arena Anhembi.

Atração principal da primeira noite, o visionário genial e excêntrico George Clinton comemora o aniversário de 70 anos em pleno palco, se apresentando ao lado de banda de mais de 20 integrantes – incluindo três bateristas, cinco guitarristas, dois tecladistas e dez vocalistas.

“Meu papel é ser o guarda de trânsito da música em cima do palco”, contou ele ao telefone, com voz rouca e grave. “Eu crio, mas também desordeno tudo. Gosto de dar obstáculos aos músicos, pra não ficar fácil demais, deixar sempre desafiador. Eles não podem parar, tem que dar o melhor que podem para o que a música precisa e tocam assim constantemente – através de todos os obstáculos e também quando estão confortáveis. Eles sentem o que o público precisa pra dançar.”

Quarenta anos de hits devem ser bem representados no show, com músicas como “Atomic dog” (de Clinton solo, 1982) e “Give up the funk” (do Parliament, de 1976). Referência máxima para tanto de hoje em dia, difícil sequer imaginar o cenário pop sem a influência de Clinton e suas famosas criações da mitologia P-Funk, das bandas Funkadelic e Parliament. Uma nação sob o mesmo groove.

“Meus antigos discos fazem muito sentido hoje porque foi dali que veio muito do hip-hop”, enxerga o compositor, cantor, mestre de cerimônias, guarda de trânsito. “No álbum “Mothership Connection”, eu estava interpretando o papel dos meus DJs favoritos de Nova York, era basicamente como um DJ falando em cima das músicas. Foi isso que o hip-hop virou: música para pista de dança, com DJs falando por cima dos discos. Era o que estávamos fazendo.”

E, desde sempre, com o espírito de convocação em primeiro plano, tantas músicas nestes 40 anos falando sobre vencer, conquistar, dançar, realizar. A inspiração para tanta pró-atividade? “Diversão, festas e fazer o que tem que ser feito”, explica o mestre. “Fazer ao máximo, nunca parar de fazer, sempre evoluindo e sempre se movendo. Toda a intenção da minha vida e da minha música é provocar as pessoas a se divertirem.”


Faixa a faixa: Chico 2011
Comentários 1

Ronaldo Evangelista

Para a Folha Ilustrada de hoje, capa sobre disco novo de Chico Buarque, escrevi breve descrição/comentário faixa a faixa de Chico, álbum aproximadamente décimo-nono do compositor e cantor. Teasers de internet, a perda da inocência sobre comentários de internet, disco de literatura, canções melancólias – entre tudo que vi comentado por aí, o menos alardeado me parece o principal: é um disco de amor. Mais: disco de novo amor. Tipo festa sem fim.

Querido diário
Toada levada por viola caipira e arranjo de cordas e com o já inesquecível verso sobre “amar uma mulher sem orifício”. Outro: “não quebro porque sou macio”.

Rubato
Chico no Círculo de confiança, zona de conforto, parceria com o contrabaixista Jorge Helder. Letra sobre canção de amor roubada para Aurora, Amora e Teodora e arranjo com grande naipe de sopros.

Essa pequena
“Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora”, canta Chico. Ele, conta “cada segunda que se esvai”. Ela, “esbanja suas horas ao vento”. Canção de amor que conclui: “o blues já valeu a pena”.

Tipo um baião
O eu-lírico já questiona: outra história de amor a essa hora? Mas, afinal, “você tipo me adora”. Então, para quem “ignora o baião”, canta esse “tipo um baião do Gonzaga”.

Se eu soubesse
Em dueto com a suposta jovem namorada de cabelos cor de abóbora Thais Gulin, a valsa-choro “Se eu soubesse” foi gravada também por ela em seu recente disco “Ôôôôôôôô”.

Sem você 2
De mesmo título de canção de Tom com Vinicius do fim dos anos 50, é levada sem bateria e com andamento lento. Chico classicista da canção, mais próximo do velho Tom do que do jovem Chico.

Sou eu
Parceria com Ivan Lins, cantada por Chico e o baterista e sambista Wilson das Neves, também já gravada por Diogo Nogueira. A letra, sobre mulher que bamboleia no salão.

Nina
Valsa “meio russa”, segundo o autor, com as rimas mapa/rapta e toca/vodca. Com a nova personagem, título, para o rol do compositor. A primeira música composta para o álbum depois da temporada como escritor.

Barafunda
Sambinha fazendo crônicas da memória, “antes que o esquecimento baixe seu manto”. Glorinha ou Maristela? Soraia ou Anabela? Seja como for, a conclusão: “a vida é bela”.

Sinhá
Parceria com João Bosco, que participa com seu balanço de violão e contracanto. É o “conto de um cantor com voz do Pelourinho” que chora em iorubá mas ora por Jesus.


Gal Costa + Caetano Veloso
Comentários 3

Ronaldo Evangelista

Você já foi à Bahia, nêga? Há algumas semanas, fui pela primeira vez. Business e pleasure: a razão foi encontrar Caetano e Gal em Salvador, matéria de capa para a Rolling Stone. Domingo, a estreia em dupla de 67, talvez tenha sido o primeiro disco pelo qual sinceramente me apaixonei tanto de um como de outro, e foi uma delícia mergulhar na história dessa relação para chegar no disco novo de Gal, todo composto por Caetano e produzido por ele e por Moreno Veloso, com jovens músicos cariocas. Doce é o título que foi soprado – mais ainda falta um mês ou dois para o lançamento, e até lá sabe como é. Reunindo memórias e projetando o futuro, a história do encontro desses dois baianos – e meu com os dois baianos – você começa a ler logo abaixo.

Sentados lado a lado, cada um em uma ponta de um sofá bege de listras marrons no camarim de um estúdio fotográfico em Salvador, Caetano Veloso, 68, e Gal Costa, 65, tem 50 anos de história para lembrar. Caetano senta-se reto, atento; Gal está à vontade, com as costas fundas no sofá. Passeando entre os muitos pontos de intersecção em duas carreiras sempre próximas e distantes, falam dirigindo-se tão frequentemente um ao outro quanto a mim, sentado em uma cadeira de frente para os dois. Enquanto reconstroem memórias em par, completam as frases mútuas com intimidade além daquela de namorados ou irmãos, mas de amizades que se orbitam, não importa quantas vezes o planeta gire. Se amizade é identificação, confiança, comunhão de raízes, empatia ilimitada, amigos são mais do que a família que escolhemos, são aqueles que continuam nos conhecendo quando mudamos.

Alguém entra na sala, traz água de coco para Gal e sai. Caetano cruza as pernas embaixo de si, no sofá. Estamos aqui por uma ocasião especial: Caetano, vindo de uma fase especialmente carregada de frescor, depois dos discos e Zii e Zie (e um ao vivo com Maria Gadú, vá lá), se viu tomado por inspiração para desencadear um processo semelhante com Gal, compondo todo um disco para ela e direcionando as gravações (se nada mudar, o álbum, previsto para setembro, deverá se chamar Doce). A última vez que ela entrou em estúdio para fazer um álbum foi em 2005 – Hoje, lançado pela gravadora Trama. O novo disco terá o apoio da gravadora Universal, que também lança os discos de Caetano e recentemente compilou os LPs de Gal gravados entre 1967 e 1983 em uma caixa com 16 CDs.

Gal e Caetano estão apreensivos, em pleno processo de finalização do álbum: faltam poucos dias para terminarem de registrar as vozes definitivas no estúdio de Carlinhos Brown, no Candeal. As bases já foram gravadas no Rio com a ajuda de Moreno Veloso – filho de Caetano e afilhado de Gal – e com participações de jovens músicos cariocas. Assim que o último rec virar stop, os arquivos de áudio ganharão mixagem, masterização, título e capa. Hoje, sábado nublado de junho, estamos na Bahia para falar do passado no presente – Bahia que já existia em mim através das músicas e agora se materializa no momento vivido e no cenário de lembranças do compositor e da cantora.

“O Caetano para mim é muito importante por tudo que a gente viveu e conviveu”, Gal começa. “Por tudo que ele compôs, tantas músicas que ele fez para mim, direcionadas a mim, falando para mim. Eu adoro as canções de Caetano. Ele é o compositor que melhor escreve para mim, para a minha voz, para mim mesmo. A gente tem uma identificação musical. Neste momento, Caetano fazer este trabalho comigo é maravilhoso. É muito importante historicamente e emocionalmente.”

Caetano, propulsor da ideia há um ano e meio, quando pela primeira vez contou a Gal do novo projeto, explica que a vontade deste álbum nasceu de pensar na história da presença de ambos na música e na história da própria música brasileira. “Gal tem uma qualidade de emissão vocal muito especial e um papel histórico muito importante, e as duas coisas estavam relativamente subvalorizadas nos últimos tempos”, reflete. “Tenho necessidade de ter uma visão histórica mais equilibrada, e isso me pareceu como uma necessidade para mim mesmo e tenho certeza que para os outros também. Então fiquei com desejo de fazer o repertório e produzir um disco todo para Gal. Me interesso muito por fazer este disco agora, para reequilibrar a visão histórica.”

Gal, entretanto, deixa claro que em nenhum momento a ideia foi homenagear o que houve, mas sim o que ainda há para haver. “Não vai ter nada a ver com nenhum disco que eu já fiz na vida, nem com nenhum disco que ele já fez na vida”, explica. “Vai ser uma coisa nova, repertório novo, tudo novo, mas é claro que tem a ver com passado porque a nossa história está impregnada na gente.”
___________________________________________________________________________________________________

O resto você lê na Rolling Stone deste mês, nas bancas.
___________________________________________________________________________________________________


Terruá Pará II
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

De Pinduca a Gaby Amarantos, passando pela guitarrada de Pio Lobato, o eletromelody da Gang do Eletro, o carimbó chamegado de Dona Onete e a new wave brega de Felipe Cordeiro, a linha evolutiva da música do Pará mistura ao mesmo tempo no mesmo espaço tradição e modernidade, novo e velho, todos os estilos.

O Terruá Pará, apresentação coletiva de dezenas de artistas do estado, que teve primeira edição em 2006 e agora chega à segunda, é pop amazônico em todas as suas possibilidades, todo um universo se revelando.

Hoje na Folha tem texto meu sobre o assunto, leia aqui, e o Terruá acontece hoje e amanhã no Auditório Ibirapuera, informações aqui.


Fela Kuti & Carlos Moore
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Fela Kuti era uma força da natureza. O músico e ativista nigeriano, presente no planeta entre os anos de 1938 e 1997, lançou mais de 70 discos, lutou contra o governo, teve 27 esposas (ao mesmo tempo), fundou sua própria república e influenciou o mundo com seu próprio gênero musical inventado, o afrobeat.

Carlos Moore, cientista político e etnólogo, cubano exilado, com Fela conviveu nos anos 70 e em 1981 escreveu a única biografia autorizada do músico, Fela – Esta Vida Puta, que sai agora pela primeira vez em português, com prefácio de Gilberto Gil.

Para marcar, neste sábado acontece evento de lançamento com presença de Moore, filme do Fela, DJs e apresentação da banda Bixiga 70, na Matilha Cultural, São Paulo. Informações aqui.

E hoje, no UOL Música, matéria que escrevi contando essa história inteira, Carlos falando do afrobeat e pequenas observações minhas sobre a música de Fela na de Gil, Céu, Criolo, Marisa Monte e Bixiga 70.

Leia AQUI.
___________________________________________________________________________________________________