Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : Caetano Veloso

uma forma antropofágica de relação com a cultura
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Ronaldo Evangelista

Em agosto de 1968, Caetano e Gil integravam um espetáculo da empresa têxtil Rhodia e planejavam como injetar mais Tropicália no zeitgeist da música brasileira. Um dos grandes projetos era o especial de TV Vida Paixão e Banana do Tropicalismo, escrito por Torquato Neto e José Carlos Capinan para a Rede Globo, com grandioso elenco e anarquias a granel.

Nunca foi o planejado (a Rhodia quis mexer, depois não quis patrocinar, depois a Globo adiou várias vezes a exibição), mas na noite de 23 de agosto de 1968, foi registrado o piloto, na gafieira Som de Cristal, na rua Rêgo Freitas, centro de São Paulo. Detalhe muito simbólico é que Vicente Celestino, que passou a tarde no estúdio ensaiando para sua participação, morreu à noite, logo antes de começarem a gravação – primeira vítima fatal da Tropicália.

O que finalmente foi ao ar, no dia 27 de setembro, levou o nome de Direito de Nascer e Morrer do Tropicalismo, hoje só na memória de quem assistiu ou estava presente. Pra posteridade, logo abaixo, as 14 páginas do roteiro original de Torquato e Capinan, com aparições de Chacrinha, Aracy de Almeida, Linda e Dircinha Batista, Nara Leão, Tom Zé, Gal Costa, Grande Otelo, Os Mutantes, Rogério Duprat, Jorge Ben e Dalva de Oliveira – todos presentes na gravação em carne e osso.








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Roteiro via.
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Red Hot + Rio 2: tropicalismo intercontinental
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Ronaldo Evangelista

Quinze anos atrás, em 1996, a coletânea Red Hot + Rio fez um tributo moderno à música brasileira com gringos descolados como Stereolab, Everything But the Girl, Mad Professor, George Michael e Sting interpretando bossa nova. Agora, dia 28 de junho próximo, sai um segundo volume, desta vez com um olhar mais tropicalista da coisa. Se a bossa nova é um tranquilo estado de espírito, a tropicália é uma linguagem pós-moderna, natural para norteamericanos, caboverdeanos, europeus, brasileiros.

Em um CD duplo, com mais de meia centena de artistas colaborando em faixas majoritariamente inéditas, o Red Hot + Rio 2 tem Tom Zé encontrando Javelin para interpretar sua “Ogodô”, Marisa Monte se juntando a Devendra e Amarante pra um Caetano anos 80, Mayra Andrade cantando com Trio Mocotó, Phenomenal Handclap Band refazendo Milton com Marcos Valle, Madlib entortando Joyce, Vanessa da Mata cantando com o Almaz de Seu Jorge, Of Montreal reinterpretando o clássico “Bat Macumba” dos Mutantes com a versão século XXI dos próprios, Apollo Nove, Céu e N.A.S.A. mandando um Caetano em inglês, mais Orquestra Contemporânea de Olinda com Emicida, Money Mark com Thalma de Freitas, Beirut, DJ Dolores, Rita Lee, Curumin, Aloe Blacc, Marina Gasolina, Carlinhos Brown e um monte de gente.

Quem produz é Béco Dranoff (do selo europeu Ziriguiboom), que também produziu a primeira edição – ambas beneficentes, em combate à AIDS. A lista completa de músicas do CD você vê por aqui e logo abaixo um gostinho, com a californiana Mia Doi Todd colocando sotaque charmoso e abordagem indie na letra em português e no groove do afro-samba “Canto de Iemanjá”, de Baden e Vinicius:


João pirata
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto nunca é suficiente. Adepto do menos é mais até na quantidade de discos e shows, sua produção é muito menor do que a demanda de ouvidos. Já que muito de sua arte vem da intensa depuração e reinterpretação, faz sentido a obsessão de fãs com as muitas gravações caseiras, bootlegs de show, áudios de especiais de TV e afins que circulam há anos e atingiram seu auge de circulação com a internet.

§Abaixo, cinco discos ao vivo nunca lançados de João que você encontra na rede.


REGISTROS NA CASA DE CHICO PEREIRA (1958)

Captado um ou dois anos antes das gravações do primeiro disco de João, na casa do fotógrafo Chico Pereira, é fascinante por mostrar sua música já pronta como a conhecemos hoje – e captar o espanto de sempre dos ouvintes.

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UM ENCONTRO COM JOÃO GILBERTO, TOM JOBIM, VINICIUS DE MORAES & OS CARIOCAS (1962)

Famoso show de 1962 que reuniu João a Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas no Au Bon Gourmet para lançarem canções como “Garota de Ipanema”, “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da bênção”. Histórico há 40 anos.

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A ARTE E O OFÍCIO DE CANTAR (1982)

Especial da TV Bandeirantes feito em 1982, já começava com barraco e trazia João cantando várias músicas inéditas em sua voz e participação de Ney Matogrosso. Enquanto não vira DVD você encontra o áudio completo em dezenas de torrents.

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JOÃO GILBERTO EN MADRID (1985)

Gravado ao vivo na Espanha no mesmo ano do belo álbum “Ao Vivo em Montreux”, traz João em uma excelente hora de voz e violão.

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JOÃO GILBERTO Y CAETANO VELOSO AO VIVO EN BUENOS AIRES (1999)

Apesar da “capa” inexplicável – coisas da internet -, o registro é de um ótimo show feito por João com Caetano Veloso (juntos e separados) e seu violões, em 1999, Buenos Aires.

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Qual mais?
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João pela primeira vez
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Ronaldo Evangelista

Incrível como todo mundo da geração 60 se lembra exatamente de quando ouviu João Gilberto pela primeira vez. Não só eles: de antes e até hoje, o som de João é algo único, impactante de tão claro e definido em si mesmo. Desde a época em que era o último lançamento e você podia ouvir sua música no rádio ou nos ainda novos LPs de vinil e vitrolas até hoje, em que abundam relançamentos piratas (digamos, “extraoficiais”) em CD e vinil e mp3s de discos e shows pela rede, João continua soando moderno e atemporal. Você se lembra de quando ouviu a música de João Gilberto pela primeira vez? Caetano, Gal e Gil lembram.

Gilberto Gil, em depoimento a Zuza Homem de Mello, 1968: Em 1959 eu estava na Bahia e um dia ouvindo rádio, ouvi um disco do João Gilberto: fiquei assustado quando ouvi aquilo, parece que era “Morena Boca-de-Ouro”, ouvi aquilo cantado de uma maneira estranha, com um acompanhamento estranho e fiquei realmente chocado. Me lembro que era um dia em que eu voltava da aula, eram duas horas da tarde, tinha acabado de almoçar e tinha ligado a Rádio Bahia. Não sabia de nada que estava acontecendo no Rio e de repente ouvi aquela coisa. Fiquei sabendo que era o João Gilberto porque telefonei para a rádio perguntando o que era aquilo, quem estava cantando aquele troço, disseram que era o João, eu fui à loja de discos procurar, ainda não tinha chegado, mas quando chegou eu comprei, foi aquela paixão absoluta, momentânea e total pela coisa, foi uma paixão que me tomou durante todos aqueles anos subsequentes.

Caetano Veloso em “Verdade Tropical”, 1997: Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João Gilberto. Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio quem me mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por isso mesmo, ele julgara que me interessaria: “Caetano, você que gosta de coisas loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta totalmente desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai pro outro”. Ele exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava, possivelmente encorajado pelo título da canção “Desafinado” – uma pista falsa para primeiros ouvintes de uma composição que, com seus intervalos melódicos inusitados, exigia intérpretes afinadíssimos e terminava, na delicada ironia de suas palavras, pedindo tolerância para aqueles que não o eram. A bossa nova nos arrebatou. Em Santo Amaro nós cultuávamos João Gilberto em frente a um boteco modesto que chamávamos “bar de Bubu”, por causa do nome do preto gordo que era seu dono. Ele comprar o primeiro LP de João, Chega de Saudade – o disco inaugutal do movimento -, e tocava-o repetidas vezes. Primeiro, por ele próprio gostava , e, depois, porque saia que nós íamos ali para ouvi-lo.

Gal Costa em entrevista a Ronaldo Evangelista, 2010: Eu era uma menina e ouvia tudo que se tocava nas rádios. Eu ouvia Angela Maria, Dalva de Oliveira, ouvia Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro. Eu gostava das coisas legais, via todo mundo – Sarah, Ella, Betty Carter, Chet Baker, Frank Sinatra, Ray Charles, Louis Armstrong. Mas o dia em que ouvi João Gilberto cantando “Chega de saudade” foi um impacto profundo e uma atração imediata. Era uma coisa totalmente estranha e nova naquela época, mas eu abracei aquilo com paixão. Mudou a minha vida, ali eu reaprendi a cantar. Sou autodidata, sempre soube tudo de canto sem nunca ter ido escola. Respiração, diafragma, técnica vocal, divisão rítmica da poesia, da palavra cantada, respiração. Ouvia João muito atentamente, com muita paixão. E comecei a estudar emissão vocal em casa. No banheiro, com panela, com meu eco, reverberação, comecei a estudar, prestava atenção a tudo. João Gilberto é minha grande referência.
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§As lembranças completas, mais Chico Buarque e Roberto Carlos, em matéria do UOL Música, por aqui.
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