Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : Erasmo Carlos

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Ronaldo Evangelista

Pra não dizer que não existem notícias quentes, apanhado da temporada de manchetes, notícias, declarações, especulações, próximas, radar.

§ Depois do papo de Doce, novo sopro de nome do disco novo de Gal com Caetano: Segunda.

§ Falando na Gal, MauVal e Matias foram dois que não curtiram a capa da última Rolling Stone.

§ Falando no Caetano, ele vai cantar “Não existe amor em SP” no VMB com Criolo & Ganja.

§ Enquanto isso, David Byrne também curtiu o disco da Tulipa.

§ Marcus Preto foi ouvir umas novas do disco da Mallu.

§ O disco do Emicida gravado em NY sai logo mais.

§ Céu, em entrevista em turnê em Londres, disse que deve lançar algo novo no ano que vem.

§ Vazou o Tim Maia Racional 3 (lógico).

§ Teresa Cristina planeja disco novo só com canções de Candeia.

§ Vídeo da Dona Inah cantando no último disco de Romulo Fróes.

§ “Kamasutra“, parceria com Arnaldo Antunes, primeira música de Sexo, disco novo do Erasmo Carlos, 70 anos.

§ Nos próximos meses, o Studio SP abre filial no Rio de Janeiro e reabre seu espaço na Vila Madalena.

§ Eliana, grávida de João Marcelo Bôscoli: “Carrego um pedacinho da Elis”.


Celia 1971/1972
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Ronaldo Evangelista


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De hoje a domingo, no Sesc Vila Mariana, Celia se apresenta com a ocasião especial de comemorar 40 anos de carreira, completados em 2010 – em 2011, comemoramos 40 anos de sua primeira gravação.

Seus dois primeiros discos, de 1971 e 1972, há tempos que são altamente cultuados no meio de colecionismo de vinis e difusão pela internet. Agora, pela primeira vez, a qualquer momento chega às lojas de CD que ainda existem versão dois-em-um dos dois álbuns, pela Warner, dona do catálogo da Continental, que lançou os LPs originais.

História que se cruza com a de Celia é a do grande maestro Arthur Verocai, que, depois de trabalhar nos primeiros discos e hits de Ivan Lins e Celia, em 1972 gravou álbum absolutamente ímpar na história da música brasileira, cheio de ideias ousadas e sons revolucionários, hoje em dia discografia básica de produtores e rimadores de hip-hop por todo o planeta.

Aproveitando o momento do show e o relançamento de seus dois incríveis primeiros discos, conversei com a Celia sobre sua história, a gravação e o impressionante repertório dos primeiros LPs, sua relação com Verocai e os fãs que hoje formam fila para pedir seu autógrafo: os rappers de São Paulo.
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Como você chegou a primeira vez na Continental?

Foi tudo muito sem querer. Eu dava aula de violão, era a cantora que estuda música. Estudei muitos anos, fiz teoria, harmonia, composição, orquestração, aquelas coisas que se usavam. Quer dizer, usava também até a página 3, né? (risos) Eu estudava música, dava muita aula e cantava, mas não profissionalmente. Todo mundo achava o máximo, mas eu sempre fui muito crítica comigo.

Até que uma amiga, Elody, me apresentou um empresário chamado Waldomiro Saad e o Waldomiro me apresentou o maestro Pocho Perez, um mexicano que vivia aqui no Brasil e era diretor artístico da Continental. Ele me disse, “menina, por que você não grava um LP?” Eu disse, “eu gravo, como é que faz?” Então ele falou, “passa amanhã na avenida Sete de Abril” – a Continental era lá – “que eu já quero assinar um contrato com você”.

Na época o diretor da gravadora era o Rodrigues e não sabia de nada, quando chegou falou “quem é essa porra dessa Célia aqui?” O Pocho disse, “é uma moça assim e assim”. Chegou Agostinho do Santos e parece que desfiou um rosário de maravilhas sobre mim. Aí o diretor da gravadora disse, “já que vocês fizeram isso, agora dêem todas as condições pra ela”.

A Continental era uma gravadora sertaneja e estava querendo investir nessa coisa de MPB, então botou todas as fichas em mim. Consegui arranjadores maravilhosos, como o Rogério Duprat e o Arthur Verocai.

Os dois discos são cheios de músicas inéditas e muito modernas. Como vocês chegaram nesse repertório?

Fui fazer o meu primeiro LP com uma lista de compositores que começava com Antonio Carlos Jobim e terminava com Vinicius de Morais. E eu ali, a Célia de São Bernardo do Campo. Quem me ajudou, muito, foi a Joyce, que era amiga da Elody e fez a ponte com o pessoal todo. Se não fosse a Joyce na época seria a maior saia justa pra chegar até essas pessoas, pedir música, escolher repertório.

A Joyce mesmo me enchia de música, “Abrace Paul McCartney” é uma maravilha. Gravei também o Nelson Ângelo, que era marido dela na época. Gravei “Para Lennon e McCartney” antes do Milton. Também o Lô e o Márcio Borges, o pessoal de Minas era muito chegado. E Egberto Gismonti. Uma maravilha, foi uma época muito produtiva.

Do Ivan Lins sempre gravei coisas. Nessa época ele ainda nem compunha com o Vitor Martins – tanto que no meu segundo disco tem músicas do Vitor com Arthur Verocai. No primeiro gravei também “Adeus Batucada”. De repente, diziam “quem é essa garota que tá começando a cantar com 20, 21 anos e vindo com uma música de Carmen Miranda da década de 30?” Foi exatamente esse tipo de coisa que chamou atenção da imprensa na época.

O segundo tem inéditas do Erasmo, do Zé Rodrix, do Marcos Valle.

“Detalhes”, Roberto Carlos me deu. “A hora é essa” é inédita mesmo, do Erasmo e do Roberto. Eles faziam muita coisa inédita pra mim. Liguei pro Erasmo e pedi, ele fez “A hora é essa”, depois fez “Nasci numa manhã de carnaval”, que gravei em compacto. Eles mandavam em fitinha. (risos) Ou eu ia pra casa deles no Rio e a gente gravava em cassete, eu trazia pra casa e aprendia. Erasmo sempre foi uma pessoa muito querida, Roberto também, muito bonito.

O Zé Rodrix morava aqui em São Paulo, sempre morou. Ele me mandava um monte de músicas e eu escolhia, gravei “Vida de artista”. O Ivan também me mandava um monte e eu escolhia. “Dominus tecum”, do Marcos Valle, ele fez, eu gravei primeiro e ele gravou depois. E depois foi até um tema de novela. O Marcos tinha uma casa na Urca, maravilhosa.

Tom Jobim também, fui até a casa dele de gravador na mão. Em cima do piano dele tinha tralha que não acabava mais, ele dizia “ninguém mexe aqui na minha bagunça”. Fui à casa dele e no dia em que fui ele estava compondo “Águas de março”.

Uau. Uma característica que sinto da sua interpretação, além de deixar as coisas simples mais sofisticadas, é de deixar as coisas sofisticadas com uma casualidade poética, uma coisa cotidiana muito charmosa.

No segundo disco gravei Tom Jobim e um bolero do Armando Manzanera, coisa que ninguém fazia. Me perguntaram por que gravei esse bolero, eu falei “ah, porque eu quis, né?” Me perguntavam, “mas qual é a linha?” E eu, “linha?”

A crítica dizia que eu precisava ter uma linha, e eu mandei todo mundo à merda na época. Mandaria de novo hoje, quem foi que disse que eu tenho que seguir regras? Quem tem que ter linha é o Bergman, que é cineasta. Eu sou uma intérprete. A partir do momento em que misturo Benito di Paula com Antonio Carlos Jobim já perdeu a linha. Eu sou uma desalinhada. (risos)

O Verocai me contou que gravou o disco dele graças a você. Como você o conheceu?

Foi o Ivan que me apresentou o Verocai. Ele trabalhava com o Ivan, que um dia me disse “nossa, preciso te apresentar um maestro maravilhoso”. No meu primeiro disco o Verocai fez um ou dois arranjos, fez “No clarão da lua cheia”, do Ivan. Gostei tanto que no seguinte ele fez tudo, todos os arranjos do meu segundo disco.

Aí falei, “agora precisa fazer um LP instrumental na Continental”. Consegui pra ele fazer o LP dele, onde ele está sentado na capa. Como eu virei a rainha da Continental, virei um dia e falei: “Tem um maestro aqui que é maravilhoso e quer fazer um disco instrumental. Por favor lancem pra mim.” E a Continental dizia “pois não”. Ele fez com todas as cordas e pompa e circunstância que quis, não teve problema nenhum.

No meu segundo disco gravei do Veroca “Na boca do sol” e no disco dele participei cantando aquela música “Seriado“, que também cantei no show que ele fez no Sesc Pinheiros. No show ele falou, “minha carreira devo a essa moça aqui”. Eu disse, “sua carreira você deve a você”. E ele, “ah, mas se você não me empurrasse… música instrumental?”

Eu estava no show dele, foi lindo.

Quando fui fazer o show do Verocai, vários garotos chegaram com LPs meus na mão. Pensei, “é por causa do que eu fiz com o Verocai”, mas eles tinham os meus dois primeiros LPs! O Danilo Caymmi falou pra mim: “Que isso?! Isso é coisa de paulista, carioca não faz isso. Ninguém vai num show meu com um monte de LPs.” (risos)

Era uma fila de garotada, aí falei: “Olha, vou fazer uma pergunta, como é que vocês tem o meu disco?” O que eles me disseram é que todos os rappers tem os meus discos, inclusive fazem muito trabalho em cima deles. Fiquei extremamente feliz, foram mais de 50, 60 discos que eu autografei.

Vou fazer em setembro show no Sesc Pinheiros e vai ter uma noite que vou chamar rappers pra fazer comigo. Eles fazem parte da minha vida. Essas coisas novas, de primeira classe – como os rappers, cantoras como a Fabiana Cozza – a gente tem que prestar atenção, senão envelhece.
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Os dois LPs obra-primas que estão saindo compiladas em um CD, pela Warner:

CELIA (Continental, 1970)
Arranjos de Pocho Perez, José Briamonte, Rogério Duprat e Arthur Verocai

01 Blues (Capinan / Joyce)
02 No clarão da lua cheia (Ronaldo Monteiro / Ivan Lins)
03 Durango Kid (Toninho Horta / Fernando Brant)
04 David (Nelson Ângelo)
05 To be (Joyce)
06 Abrace Paul McCartney (Joyce)
07 Pelo teletipo (José Jorge / Ruy Maurity)
08 Adeus batucada (Sinval Silva)
09 Para Lennon e McCartney (Márcio Borges / Lô Borges / Fernando Brant)
10 Zózoio Como é que é (Nelson Ângelo)
11 Fotograma (Tibério Gaspar / Antônio Adolfo)

CELIA (Continental, 1972)
Arranjos e regência do maestro Arthur Verocai

01 A hora é essa (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
02 Toda quarta-feira depois do amor (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
03 Dominus tecum (Paulo Sergio Valle / Marcos Valle)
04 Ay Adelita (Piry Reis / João Carlos Pádua)
05 Vida de artista (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
06 Mia (Armando Manzanero)
07 Na boca do sol (Vitor Martins / Arthur Verocai)
08 Em família (Tom / Dal)
09 Detalhes (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
10 É preciso dizer adeus (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
11 Dez bilhões de neurônios (Zezinha Nogueira / Paulinho Nogueira)
12 Badalação (Bahia volume 2) (Nonato Buzar / Dito / Tom)
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só com a preguiça vem a paz
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Ronaldo Evangelista

Erasmo Carlos completa 70 anos hoje, em pleno movimento: lança em breve novo álbum, Sexo, produzido por Liminha.

Erasmo tem um jeito de falar as coisas, uma simplicidade profunda que é capaz de revelar o que mil rebuscamentos não dizem. Sua personalidade se destaca desde o tempo da jovem guarda até o humor sério dos 80, mas é no começo dos anos 70 que viveu seu período mais inspirado. Todos os seus discos entre 68 e 76 são picos de criatividade e a maturidade hippie da época permitia que criasse canções e arranjos sem limites, cruzando todos os universos em vários registros de emoção, sempre sensível e esperto.

Os sambinhas, desde pelo menos quando descobriu João Gilberto, nos anos 50, eram uma especialidade – mas agora vinham falando de coisas de verdade, por mais ingênuas que pudessem ser. Se Roberto continuou-se pela década de 70 apurando as composições esquema cineminha romântico, Erasmo foi descobrindo-se existencialista, contemplativo do cotidiano: Narinha, o cigarro, o coqueiro, o jornal, imposto em dia.

O “Samba da Preguiça“, um dos muitos sambinhas feitos para amigos pela dupla Roberto/Erasmo, não é desconhecido pra quem já ouviu o álbum de 1973 do Trio Mocotó. Mas a gravação abaixo é inavaliável pelo registro intímo de voz e violão, a poucos centímetros do clima de criação. Recorte do LP História Música Informação, da Rádio Jornal do Brasil, lançado em 1972 e publicado online pelo blog Soul Spectrum. Erasmo toca em resposta ao jornalista que lhe pede uma “coisa recente, que ainda não tenha sido gravada”. Inspiração: a preguiça que o mundo sente, porque o mundo caminha pra preguiça.