só com a preguiça vem a paz
Ronaldo Evangelista
Erasmo Carlos completa 70 anos hoje, em pleno movimento: lança em breve novo álbum, Sexo, produzido por Liminha.
Erasmo tem um jeito de falar as coisas, uma simplicidade profunda que é capaz de revelar o que mil rebuscamentos não dizem. Sua personalidade se destaca desde o tempo da jovem guarda até o humor sério dos 80, mas é no começo dos anos 70 que viveu seu período mais inspirado. Todos os seus discos entre 68 e 76 são picos de criatividade e a maturidade hippie da época permitia que criasse canções e arranjos sem limites, cruzando todos os universos em vários registros de emoção, sempre sensível e esperto.
Os sambinhas, desde pelo menos quando descobriu João Gilberto, nos anos 50, eram uma especialidade – mas agora vinham falando de coisas de verdade, por mais ingênuas que pudessem ser. Se Roberto continuou-se pela década de 70 apurando as composições esquema cineminha romântico, Erasmo foi descobrindo-se existencialista, contemplativo do cotidiano: Narinha, o cigarro, o coqueiro, o jornal, imposto em dia.
O ''Samba da Preguiça'', um dos muitos sambinhas feitos para amigos pela dupla Roberto/Erasmo, não é desconhecido pra quem já ouviu o álbum de 1973 do Trio Mocotó. Mas a gravação abaixo é inavaliável pelo registro intímo de voz e violão, a poucos centímetros do clima de criação. Recorte do LP História Música Informação, da Rádio Jornal do Brasil, lançado em 1972 e publicado online pelo blog Soul Spectrum. Erasmo toca em resposta ao jornalista que lhe pede uma ''coisa recente, que ainda não tenha sido gravada''. Inspiração: a preguiça que o mundo sente, porque o mundo caminha pra preguiça.