Blog do Ronaldo Evangelista

Categoria : Folha

nesse minuto sei tão bem do espaço que ocupo
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Na Ilustrada de hoje, breve crítica minha acompanha matéria sobre o novo de Céu. Mais ou menos assim, como logo abaixo do vídeo de “Retrovisor”, ilustrando o post.

“CARAVANA”: IMAGINAÇÃO, CLIMA IMAGÉTICO E SOM SETENTISTA

Não há nada como assistir a um filme chegando aos créditos iniciais sem pista prévia de ritmo, estilo, enredo, pura apreciação das surpresas de uma cinematografia bem desenvolvida.

Alguns dos melhores cineastas sabiam disso tão bem a ponto de se recriar e reinventar novos universos a cada filme ou número de filmes – algo não muito diferente da evolução criativa disco-a-disco tão comumente esperada e cobrada de compositores, produtores, músicos.

Pelo espelho do carro em trânsito, entre as serpentinas no salão do baile, no asfalto e no mar, a Céu de “Carvana Sereia Bloom”, seu terceiro disco, aparece como que em cortes de superoito, focos de baixa fidelidade, locações perdidas na estrada.

Metaforicamente cinema, seria algo como o cruzamento de um longa jamaicano de baixa qualidade com algum cineasta independente do Recife citando Cacá Diegues de fins dos anos 70, entre vinhetas, reggae obscuro, Nelson Cavaquinho, composições de Jorge Du Peixe, Lucas Santtana, Gui Amabis, Céu.

A organicidade lapidada de Beto Villares, produtor de seus dois primeiros álbuns, dá lugar ao estilo imagético de Gui Amabis, com baterias altas, órgãos climáticos, baixos de timbre setentista, guitarras em solos à frente ou soando com slide.

Colando juntos na viagem, processo como sempre colaborativo, participam músicos como Dustan Gallas, Dengue, Pupillo, Bruno Buarque, Lucas Martins, Thiago França, Curumin, Lúcio Maia, Negresko Sis (o trio vocal com Thalma de Freitas e Anelis Assumpção), Fernando Catatau.

De Céu, ficam ainda mais claros em sua musicalidade a imaginação, o senso de humor, a beleza, a leveza, a naturalidade, o apuro, a voz.


A Nova Onda do Samba-Jazz
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Matéria que escrevi ontem na Folha comenta a influência perene do samba-jazz na música instrumental brasileira e alguns novos discos que abordam o estilo, como o brilhante novo álbum do sexteto do Marcos Paiva e o balançado disco-tributo de Joãozinho Parahyba. Sobre tudo, logo abaixo.

Álbuns dão largada para uma nova onda do samba-jazz
Estilo de improviso brasileiro que viveu auge nos anos 60 ganha homenagens em discos autorais que atualizam ideias da época

O jazz não era nenhum estranho para a música brasileira nem vice-versa, mas um dia os músicos tiveram um estalo que mudou tudo. E se pegassem o vigor do mais moderno jazz e o tocassem com toda a riqueza rítmica brasileira? E se tocassem hard bop, mas com a batida de samba, livremente levada entre aros e pratos e improvisos nas marcações do bumbo e surdo?

Surgido no começo dos anos 60, o samba-jazz foi mais do que um movimento, foi o nascimento de uma nova maneira de tocar. Hoje, 50 anos depois – entre muitos músicos que desenvolvem o estilo tocando, como então, em bares, pela noite -, novos álbuns tomam o gênero como ponto de partida para novas criações.

Marcos Paiva, 37 anos, contrabaixista e arranjador, em seu recém-lançado Meu Samba no Prato – Tributo a Edison Machado, escolheu se debruçar sobre o clássico Edison Machado é Samba Novo, LP de 1964 que reunia nomes como Moacir Santos, JT Meirelles e Paulo Moura em torno do baterista Machado, disco de improvisações quentes e arranjos ousados.

À frente de um sexteto totalmente acústico, formado por Daniel de Paula na bateria, Daniel D’Alcântara no trompete, Jorginho Neto no trombone, Cássio Ferreira no sax alto e Edinho Sant’anna no piano, Paiva desenvolve temas e arranjos baseados nas composições do álbum original, atualizando as ideias, partindo dali para chegar em um lugar novo e contemporâneo. O trombonista Neto, de 28 anos, membro do sexteto de Paiva, também lança agora disco autoral dedicado ao gênero, simplesmente chamado Samba Jazz.

“O samba-jazz é o começo da linha evolutiva da música instrumental brasileira”, observa Paiva. “É a primeira vez que a música brasileira se une de verdade com o jazz. Quis fazer um tributo ao Edison, um músico com muita personalidade, e também a toda uma geração.”

João Parahyba, 61, conhecido internacionalmente como baterista do Trio Mocotó, viveu em pessoa o momento do nascimento do gênero. Era um garoto de 15 anos quando começou a frequentar boates de São Paulo para assistir (e ocasionalmente improvisar junto de) músicos como Zimbo Trio e Sambalanço Trio, de Cesar Camargo Mariano. Seu novo álbum O Samba no Balanço do Jazz presta homenagem a seus heróis iniciais, com temas de João Donato, Moacir Santos, Laércio de Freitas e Amilton Godoy (do Zimbo).

“O samba-jazz é um samba com influências americanas e europeias, tem o lado afro e tem coisas que são quase peças clássicas”, nota Parahyba. Assim, comenta que o estilo sempre esteve presente no que fez. “A relação do Trio Mocotó com o jazz era até radical, éramos três percussionistas que tocavam em uma boate acompanhando tudo. A gente tocava “Take five” com um trio de jazz em ritmo de samba.”


a apresentação perfeita de Keith Jarrett no Rio
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Fim do ano passado, liguei para Keith Jarrett, ótimo papo, e conversamos sobre o prazer do improviso, o sabor do inesperado e sobre seu mais recente disco, gravado ao vivo em apresentação no Brasil. Parte das ideias trocadas, em matéria na Folha e logo abaixo.

Abril último, o pianista Keith Jarrett, 66, veio ao Brasil para apresentações na Sala São Paulo e no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Guiado pela improvisação absoluta, somando conhecimento erudito, décadas de experiência no jazz e ultrassensibilidade musical, o show no Rio, especialmente, impressionou até ao próprio músico.

Ainda nem tinha partido do país quando percebeu que aquele tinha que ser seu próximo lançamento. Seis meses depois, Rio, o CD, já vem sendo recebido como seu álbum mais inspirado em anos. No Brasil o disco, duplo, está sendo distribuído pela gravadora Borandá.

Por telefone de sua casa em New Jersey, Estados Unidos, o músico falou sobre sua relação com música criada no momento e sua experiência no Brasil.

O senhor consegue identificar de onde surgiu a ideia de fazer apresentações completamente improvisadas?

Foi algo gradual através dos anos. Depois que gravei meu primeiro disco de piano solo, “Facing You”, no começo dos anos 70, participei de um festival e toquei canções, mas entre as canções continuei tocando, conectando as músicas. E aí fiquei mais interessado nas conexões do que nas canções e eventualmente tudo se tornou improvisado. Para mim foi como a ideia perfeita. Quando eu tinha sete anos e fazia recitais, eu tocava coisas que eu compunha – mas eu não as escrevia e tocava cada vez de um jeito. Então eu já improvisava, mas não pensava muito nisso.

É um desafio esquecer os temas e caminhos musicais com que você já tem familiaridade?

É fácil não pensar em música pra mim. Quase todo mundo tem uma ideia na mente antes de tocar, ou algo gravado, ou alguma memória, mas eu tento apagar tudo. Se estou numa cultura que tem sua própria música e apaguei tudo da minha mente, me torno conectado com a cultura. Então esse disco em particular é muito mais brasileiro que todos meus outros discos. Não por acidente, mas por osmose.

A música brasileira foi uma influência consciente enquanto tocava?

Eu estava consciente de que algumas harmonias estavam mudando porque eu estava no Brasil. Uma coisa sutil, não como se eu me tornasse outra pessoa. Mas acrescentei elementos que são parte de onde estou. Quis lembrar como o português do Brasil soa, tentei tirar algo do piano que não era exatamente música de piano, mas quase música de violão ou voz.

A primeira faixa do primeiro CD é bem abstrata, não tem nada de jazz. Mas, se você ouvir com atenção, há ritmos nela que não aparecem em nenhuma outra gravação minha. O conteúdo interno da música é formado por essas pequenas coisas que são as cores do local. Coisas que são parte da atmosfera, como a praia.

O senhor consegue identificar o que tornou a apresentação no Rio tão especial?

Eu tinha o piano e colocava o dedo em algum lugar. Depois que toquei o primeiro som ou eu criei uma prisão pra mim ou criei o começo de algo bom. Algumas das peças, especialmente no segundo CD, não soam improvisadas. O especial nesse show do Rio é que tudo foi igualmente bom, pelo menos pra mim. Não houve notas desperdiçadas. A duração de cada peça, a estrutura, o conceito, foi tudo perfeito. E não uso muito a palavra perfeito.

Quando o senhor toca, a principal busca é fazer algo completamente conectado ao momento, às pessoas, à situação?

Acho que um improvisador – não todos, mas idealmente – é alguém mais curioso com cada pequeno detalhe que é diferente naquele momento, como o som da tecla do piano, da sala, o feeling. Estas são as coisas às quais sou muito sensível.

Fui um improvisador e compositor por muitos anos, então percebi quanto mais interessante era compor e improvisar simultaneamente. Não estava mais interessado em notas escritas em um papel. Elas estão simplesmente lá e vai ser bom ou ruim, mas não vai ser uma representação do momento.

Cada surpresa, cada acidente, cada erro é precioso.

Exatamente. Na verdade, os erros são muitas vezes mais preciosos, as pequenas coisas que mostram que é tudo improvisado. Muitas vezes a audiência não se lembra a cada segundo que é tudo improvisado. Se lembrassem, estariam tão ocupados ouvindo que não tossiriam, não tirariam fotos, eles seriam parte do processo. É por isso que ainda acho que a audiência é tão importante quanto qualquer outra coisa na sala. Muito mais importante, na verdade, que qualquer outra coisa.


Soar genérico é uma arte
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Hoje na Folha Ilustrada, reportagem sobre o disco novo de Maria Rita, Elo, saiu acompanhada de crítica minha, abaixo.

Em quarto álbum, Maria Rita segue cartilha do mercado

Grosso modo, dentro do processo artístico você pode seguir o caminho do familiar ou do criativo. Por definição, o criativo demanda invenção. Já para dialogar com o familiar, basta mimetizar tiques e vícios de descobertas prévias.

Por motivos estratégicos óbvios, a música que existe dentro do mercado pop busca o mínimo denominador comum, o consumo em massa, o derivativo sobre o original. Não é coisa simples soar normal, não é fácil soar comum. Soar genérico é uma arte em si.

No caso de Maria Rita e seu quarto álbum, “Elo”, tudo parece vagamente familar desde a capa: já não vimos isso antes? A sonoridade é recuperada de seus dois primeiros discos pré-”Samba Meu”, com levadas de piano, baixo e bateria, grooves e bossinhas, convenções sem muita distância do previsto.

O repertório, básico: Chico, Caetano, Rita Lee, Djavan. “Menino do Rio”, “Só de você”, “A História de Lilly Braun”, ela já não havia gravado? O ápice do apelo à memória coletiva chega em hit de novela de 15 anos atrás de Djavan, “Nem um dia” (“um dia frio, um bom lugar pra ler um livro…”).

Entre as novidades, uma canção de Marcelo Camelo (compositor de quem Maria Rita já gravou quatro músicas), uma canção de Pedro Baby (filho de Baby do Brasil e Pepeu Gomes) com Daniel Jobim (neto de Tom Jobim) e outra de Davi Moraes (filho de Moraes Moreira) com Alvinho Lancelotti (filho do compositor Ivor Lancelotti).

É certo que Maria Rita já criou uma linguagem sua, de certa intensidade programática, como se constantemente tomando fôlego, notas longas em canções de amor doído ou romantismo açucarado. Assim, a cartilha pop que segue em “Elo” faz sentido, canções exatas para a voz de Maria Rita, cantando como se simplesmente normal. Uma arte.


Esperanza Spalding & Milton Nascimento
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Conheci Esperanza Spalding em janeiro de 2006, quando ela tinha 21 anos, um recém-gravado e independente álbum de estreia e vinha pela primeira vez ao Brasil, se apresentar no Sesc Pompeia. Então professora, uma das mais jovens da história da escola, já era dessas artistas que se espalham como uma coisa secreta e especial entre os ouvintes, soma constante. Na época, já me contou que era fã de Edu Lobo e Pixinguinha, o que escrevi na época na Ilustrada. Essa semana, a encontrei em um hotel de São Paulo para conversar sobre seu encontro com Milton Nascimento, em show hoje no Rock in Rio e, oxalá, um álbum juntos. Na Ilustrada de hoje ou, bate papo completo, abaixo.

Esperanza Spalding quer disco com Milton

Esperanza Spalding era uma jovem estudante de contrabaixo da famosa Berklee College of Music quando conheceu a música de Milton Nascimento. Dali até tornar-se uma das mais jovens professoras da mesma Berklee, encontrar reconhecimento irrestrito como ótima instrumentista e afinal ganhar o Grammy de Artista Revelação em 2011, a música de Milton continuou com ela.

Regravou “Ponta de areia”, convidou Milton para cantar em seu disco mais recente, tornou-se amiga próxima e veio passar o último ano novo com ele. Agora, na tarde deste sábado, dentro da programação do Rock in Rio, o encontro da música dos dois se materializa em apresentação em dupla no palco Sunset, às 16h45.

Em conversa em São Paulo, antes de partir para a Cidade do Rock, a instrumentista e cantora de 26 anos, simpática e elegante com um enorme penteado afro, contou sobre sua relação com a música brasileira e a música de Milton e os planos de continuarem fazendo música juntos.

Conversamos a primeira vez há cinco anos, quando veio ao Brasil pela primeira vez.

Que legal!

Lembro que ali você já comentou que amava música brasileira, citou até Pixinguinha.

Tinha esquecido. É interessante, tanta coisa aparece, eu até esqueço o que gostava três anos atrás. Tanta coisa aconteceu desde então.

Você se lembra de quando tomou consciência da música brasileira como uma coisa única?

Honestamente, a primeira vez que ouvi não sabia o que era, não me importava. Acho que era um disco do Stan Getz. Definitivamente me lembro de ter uma fita com várias coisas gravadas e uma delas era João Gilberto cantando, e isso foi, “uau”. Mas eu nem sabia de onde ele era. Digo, eu sabia onde ficava o Brasil no mapa, mas não tinha familiaridade com a música. Esse foi o primeiro impacto, mas não como algo a estudar ou seguir. Era uma canção incrível que eu ficava ouvindo muito.

Depois, quando cheguei na Berklee, conheci muita música nova pelas pessoas. Você sabe, é o que se faz: “ouve isso, ouve isso”. Então ouvi “Native Dancer”, de Wayne Shorter, foi quando ouvi o Milton pela primeira vez. Embora acho que eu já tivesse ouvido Hermeto Pascoal antes disso, há muitos estudantes de sua música.

Alguém tinha uma coleção de CDs com músicas de carnaval de todo o Brasil, todas as diferentes tradições de carnaval. Como aquela com o guarda-chuva, frevo. Muitos sons diferentes. Ouvi também Dorival Caymmi. Alguém me deu um CD com versões de músicas do Dorival Caymmi, foi quando conheci Caetano Veloso. E talvez Joyce. Rosa Passos também ouvi muito.

Não houve um evento específico incrível. O evento de que me lembro mais distintamente foi definitivamente ouvir “Native Dancer” e ouvir Milton. Depois disso foi apenas pessoas me mostrando coisas legais: “se você gosta disso, precisa ouvir isso”, e aí você vai descobrindo outras coisas.

Sabe dizer o que na música do Milton saltou ao seu ouvido?

Acho que não conseguiria. Pessoas assim são algo tão maior que os elementos que você pode analisar com seu intelecto. Somente alguém muito mais eloquente e poético que eu poderia dizer. De tudo que eu gosto na música dele, se eu dissesse “isso é o que eu gosto” e tirasse e analisasse, não seria a razão. É ele. Ele impacta. Ele é a força de vida de sua música. Não sei explicar isso, mas ele é incrível.

Tenho o exemplo perfeito: Maria Gadú estava em Nova York e me chamou pra tocar baixo em seu disco. Certo. Acho que ela é incrível, por isso eu disse sim. Então, o cara que estava produzindo me mandou as demos. E quando eu ouvi, fiquei meio “oh…” Não gostei. Não gostei da música. Aí fui pro estúdio me sentindo meio mal, porque tinha prometido tocar e não gostava da música. No momento em que ela começou a tocar e cantar, me apaixonei totalmente por tudo. Não é a canção – não é a letra ou nada. Quando ela canta, a letra é incrível, o som do violão é incrível, a melodia é incrível, o groove é incrível. Mas se não for ela cantando, é vazio. Bem, no caso da música do Milton, mesmo se ouvisse uma demo acho que você ficaria impressionado. Mas é ele.

E todas as outras pessoas também. Hermeto Pascoal também. Quando ouço pessoas fazendo covers de suas músicas é desafiador, então é legal, é impressionante que ele tenha escrito aquilo. Mas quando ele toca com a banda dele é totalmente diferente. Como com todos os grandes. Como Wayne Shorter e o Weather Report. É a força de vida deles, é a experiência deles, é o tom de suas vozes, do que viveram e pensaram. É de humano a humano. Sabe?

Claro. Pensei nisso ouvindo as vozes de vocês juntas em “Apple blossom”.

Uau. Ele é incrível.

Sabia que ele é originalmente contrabaixista?

Eu sei, ele me contou. Passei a ficar nervosa [de tocar perto dele].

Você já viu ele tocando contrabaixo?

Ainda não. Ele não toca! Eu fico passando o baixo pra ele e ele, “não, não”. Um dia gostaria de ouvir ele tocando. É engraçado, agora sabendo disso comecei a notar quanto as linhas baixo são importantes nas suas composições. Estávamos ensaiando esses últimos dias e quando eu erro alguma linha de baixo ele percebe na hora. Ele fica muito em contato com o baixo, dá pra sentir essa conexão.

Como tem sido a experiência de tocarem juntos?

Passei o último ano novo na casa do Milton – aliás eu fui lá com um amigo que parece um pouco com você (risos) – e lá nós tocamos muito, mas só pela diversão. Essa é a primeira vez que preparamos música para um show.

Já sabem que músicas vão cantar?

Sim. Mas não posso te contar, tem que ser surpresa. Vamos fazer músicas deles, algumas canções minhas, e de alguns outros compositores. Ele vai tocar violão e também só cantar em alguns momentos. É claro que as músicas soam diferentes, porque não estamos acostumados a tocar sua música. Mas desde o último ensaio a música está realmente viva. Ao vivo qualquer coisa pode acontecer, mas vai ser incrível.

Ouvi dizer que vocês farão um disco juntos.

Gosto desse boato. Vamos ver.

Então a possibilidade existe.

Bem, nós conversamos sobre a ideia de fazer um projeto juntos, mas… Não, não tem “mas”, nós conversamos, é isso. A coisa mais sábia a fazer é tocar, ver como vai ser. Nós definitivamente somos amigos, estamos em contato. Virei passar o próximo ano novo com ele novamente e trarei algumas canções que escrevi, veremos. Não quero que o boato se torne forte demais, porque se não acontecer vai ser decepcionante. Mas conversamos sobre isso, espero que aconteça. Seria mais profundo que um sonho tornado realidade.


Vítima de nada
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Hoje, na Folha Ilustrada, texto meu sobre Filipe Catto e seu recém-lançado álbum de estreia, Fôlego, logo abaixo.

Aos 23, Filipe Catto estreia com intensidade de interpretação e sob inspiração de Elza

Quando entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum, Filipe Catto não quis cantar parado na frente do microfone, com fones no ouvido. Preferiu gravar na sala da técnica, com um microfone Shure SM58, típico de shows, vendo e ouvindo a banda dentro do estúdio e cantando e caminhando com movimentos livres, levando sua interpretação de palco para dentro do disco.

Não foi à tôa: com 23 anos e um registro vocal agudo – contratenor com timbre perfeito, próximo a uma voz feminina -, a intensidade de interpretação de Catto é sua maior qualidade. Chega ao disco de estreia, Fôlego, recém-lançado pela major Universal, já com música em novela (“Saga” toca em “Cordel Encantado”, trama das seis da Globo) e numerosos admiradores conquistados com a força de suas apresentações e um primeiro EP independente lançado em 2009.

Foi há pouco mais de ano que o cantor chegou de Porto Alegre para seu primeiro show por aqui, e por aqui ficou. “O disco surgiu a partir do palco, do público, a partir das minhas observações”, conta. “O que foi bacana nesse tempo desde que cheguei em São Paulo foi que pude absorver bastante coisa da minha geração. Na vivência e na experiência de poder cantar um repertório novo, de fazer parte de uma história que está rolando.”

Autor de oito das canções do disco, Catto pinça ainda composições de conterrâneos gaúchos como Nei Lisboa e as bandas Cachorro Grande e Apanhador Só, mas afirma que a seleção “não foi partidária”, e sim pela força das canções. Outras surpresas do repertório incluem uma antiga canção de Zé Ramalho e uma parceria de Arnaldo Antunes com o baixista Dadi, d’A Cor do Som – produtor de Fôlego ao lado do diretor artístico da gravadora, Paul Ralphes.

E “Garçon”, aquela, de Reginaldo Rossi. “Estava um dia em casa e do nada comecei a cantarolar essa música, como se ela tivesse baixado”, lembra. “E comecei a ver que ela era muito mais forte do que eu imaginava, passei a vê-la de uma forma diferente. A letra me remete a Maysa, Dolores Duran, uma coisa meio antiga. Na verdade ela é uma irmã gêmea de ‘Meu mundo caiu’.”

Maysa, grande referência. Elis Regina, ídolo máximo. Billie Holiday, inspiração para uma canção. Outra, dedicada a Amy Winehouse. Mas foi quando conheceu Elza Soares, diz Catto, que entendeu o verdadeiro sentido da palavra fôlego. “Ok, legal os nossos mortos trágicos, os que se foram e tiveram vida turbulenta. Mas ando admirando pessoas vivas, e que fazem música. Quero ser assim quando eu crescer.”

“Eu admiro muito a Elza Soares porque ela está viva”, diz. “Ela não é vítima de nada. Isso me alimenta como artista e como pessoa. Acho bonito que ela é destemida, tem uma força de viver, uma força de interpretação. É isso que eu busco no meu trabalho. Se jogar no mundo e fazer as coisas do jeito que elas são. Desencanar e bancar sua história.”


Aloe Blacc quer dar rolê com Hermeto Pascoal
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Domingo dia 27 no Rio, dentro do festival Back2Black, terça dia 30 no Bourbon Street em São Paulo, o rimador e cantor de novo soul Aloe Blacc, autor de uma das melhores canções pop americanas dos últimos tempos, “I need a dollar“, se apresenta com sua banda Grand Scheme. Aproveitando o momento, liguei pra ele na Califórnia essa semana pra meia dúzia de perguntas, em matéria publicada hoje na Folha Ilustrada. Abaixo, o papo.

Você já veio ao Brasil?

Nunca fui, vai ser minha primeira vez.

Tenho certeza que você tem alguns músicos brasileiros favoritos…?

Meu interesse na música brasileira nasceu com a bossa nova de Tom Jobim e Astrud Gilberto. Essa foi a primeira coisa brasileira por que me apaixonei. Depois descobri artistas como Jorge Ben, Sérgio Mendes, Arthur Verocai e Flora Purim. Muitas coisas bonitas e diferentes.

E já ouviu alguma coisa sobre o hip-hop brasileiro?

Sim. Ouvi falar muito sobre o grafite e também sobre a cena hip-hop no Brasil, mas ainda preciso conhecer os nomes.

Por aqui também a cena hip-hop tem encontrado equilíbrio com música tocada, cantada. Você acha que o hip-hop e o soul tem encontrado novas relações ultimamente?

Acho que sim. O hip-hop está crescendo – e quando você fica mais velho, quer se expressar de novas maneiras. O meu interesse se virou para a música tocada ao vivo.

Essa influência de soul music é uma coisa que sempre esteve com você ou foi uma novidade quando descobriu?

Foi uma espécie de experimento a princípio. Agora virou meu emprego. (risos) Fiz um álbum chamado Shine Through, em que cantei uma cover de Sam Cooke com uma batida hip-hop, “A change is gonna come”. E também a faixa-título, “Shine through” era uma canção soul. E “I’m beautiful“, do mesmo álbum. Essas foram o começo de minhas experiências com hip-hop e soul. Depois fui me aprofundando mais e mais.

A inspiração para escrever “I need a dollar” foi próxima de escrever um rap?

Foi mais ou menos. Quando escrevi “I need a dollar” estava ouvindo canções folk. Músicas de presos acorrentados uns aos outros, de pessoas que estavam encarceradas e trabalhando como parte de sua pena, cantando para ajudar no trabalho. Cantando suas próprias músicas e dividindo as canções enquanto trabalham. Muitas histórias seriam sobre seus problemas – e me inspirei a criar minha propria canção de presos acorrentados. Essas canções são muito repetitivas e são comunitárias, envolvem mais de uma pessoa. E quando estava escrevendo os versos, acrescentei coisas da minha vida pessoal.

Imagino que tenha sido uma surpresa quando ela começou a ficar famosa.

Nunca esperei que fosse ser um grande hit. Achei que fosse ser como todo o resto, uma canção undeground de que as pessoas gostam, como meu último álbum. Mas se tornou algo muito grande. Acho que todo mundo a conhece hoje, pessoas de quatro anos e pessoas de 64 anos, todos cantam.

Ok, última pergunta: que músico você gostaria de encontrar nessa vinda ao Brasil?

Hmm. Sabe o que seria muito legal? Passar o dia com alguém como Hermeto Pascoal. Como um músico, tenho visto as coisas que ele tem feito pelos anos e ouvido a música que ele tem feito e seria muito interessante e divertido e empolgante passar um dia fazendo um som com ele – ou simplesmente o assistindo.


é legal a cultura viva racional
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Não sei quanto ao livro, mas ouça o disco que é coisa limpa, é coisa pura, é legal e é bacana: com seis faixas e meia hora (não muito diferente dos dois primeiros volumes), o lendário e agora real terceiro volume da série Tim Maia Racional foi finalizado e lançado como CD bônus de um box de Tim, em breve em edição individual nas lojas. Hoje na Folha Ilustrada, crítica minha do recém-nascido clássico álbum, logo abaixo.

Não é apenas o fato de que Tim Maia estava no seu auge artístico que faz de seus discos “Racional” especiais em sua discografia. A ideia de que o cantor famosamente mais longe possível de estabilidades houvesse decidido se limpar, se endireitar e caretear graças a uma aparentemente seita, decididamente maluca, pregando a origem e volta do ser humano ao espaço, e a intensidade com que interpreta isso tornam pérolas os dois volumes, lançados de forma independente em 1975.

Quando há alguns anos surgiram as palavras mágicas gravações inéditas, a gigante expectativa chegou ao ponto de quatro faixas vazarem na internet em versões cruas, demos que Tim havia deixado, gravadas no estúdio Somil em 1976. Agora, em distribuição exclusiva para compradores de box de Tim vendido em bancas e futuro lançamento em lojas pela Sony Music, o material se realiza em novo mítico volume da série, Racional 3.

O produtor Kassin, ao lado do guitarrista original de Tim na época, Paulinho Guitarra, finalizou as seis faixas (duas a mais do que sabia pelas demos) com o arranjador e tecladista Lincoln Olivetti, acrescentando clavinetes, sintetizadores, órgão, cordas, sopros, solos de saxofone e guitarra fuzz a canções como “Lendo o livro” e “I am rational”. A produção detalhista de Kassin recupera os timbres originais e a participação de músicos próximos como Paulo e Olivetti garante a dedicação musical e pessoal, criando um disco novo, inédito e ponto alto da carreira de Tim – lançado 13 anos depois de sua partida.

Apesar de todos os envolvidos terem lamentado o vazamento na rede das demos originais, só podemos agradecer por ter acontecido – hoje é um prazer incalculável poder ouvi-las, tão deliciosas em sua crueza quanto são ótimas as novas versões já totalmente vestidas. Da sugestões geniais às realizações plenas, funk dos melhores do mundo, o groove perfeito de baixo e bateria, guitarra com wah-wah, ataque de sopros, vozeirão visceral: o som clássico de Tim Maia, black music com naturalidade brasileira, soul universal.


Estado de sonho
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Matéria ontem na Folha Ilustrada sobre o disco novo de Kassin, Sonhando Devagar, saiu acompanhada de crítica minha, despertando, abaixo.

Os sentidos adormecidos, a percepção ainda livre de influências exteriores, aquela momentânea incerteza sobre o que é real e o que é imaginado: nossa sensibilidade fica aguçada de uma maneira muito particular quando acordamos, envolvendo o ritmo do mundo em estado de sonho.

Esse espírito difuso, leve e agradável, dos nossos primeiros momentos despertos parece ser o registro em que existe “Sonhando Devagar”, o primeiro disco solo de Kassin – ou segundo, ou terceiro, ou quarto, dependendo de onde começar a contar.

“Eu sonhei” são as primeira palavras do disco, e a ideia permeia letras e inspirações, liberdade conceitual de cantar sobre calças de ginástica, bolhas de sabão, telefones fora de área, bebês no sofá, suor e sorvete, câimbras noturnas e mioclonia.

Ironia bem humorada e psicodelia tropical, brincando com o absurdismo de literalidades, trava-línguas, oposições, inversões, malandragem, detalhismo espirituoso, simplicidade de intenções, excentricidade divertida – a mesma abordagem heterogênea e espontânea para conceitos e para sons.

Cruzando timbres de discos brasileiros dos anos 70 com pop japonês, bolero e samba-rock com indie e eletrônico experimental, música doce sobre sangue de foca e discopunk safada, Kassin funciona no encontro, no atrito, na confluência.

Se no mundo nada se cria e nada se perde, tudo se transforma, o mais interessante da obra do produtor e compositor é ver seu talento alquímico de transmutação de material bruto – estilos, referências, sons, ideias cotidianas – em pequenas pérolas pop de sofisticação casual. A ponta da criatividade nas recombinações, a justaposição de elementos já em si uma nova criação.

Tags : Kassin


Conexão Nave-Mãe
Comentários COMENTE

Ronaldo Evangelista

Muito estranho terminar a sexta vendo George Clinton no auge aos 70 e começar o sábado sabendo da Amy partindo aos 27, alegria total à profunda tristeza fatalista. Seja como for, alheios aos caminhos que Amy trilhava, nós e Clinton abusávamos da madrugada, comemorando o aniversário do capitão da nave-mãe em grande estilo, libertando o quadril e expandindo a mente. Abaixo, a crítica que escrevi direto do front, publicada na Folha.

Talvez se você já conhecesse algum dos discos de suas clássicas bandas Parliament ou Funkadelic ou tivesse lido sua autodescrição como “guarda de trânsito” no palco entre mais de 20 músicos, poderia se considerar preparado para um show de George Clinton em toda sua apoteose.

Mas a nave-mãe pousou com estilo extra na madrugada da última sexta-feira, apresentação do mestre funk dentro de festival “black” – de saída especial por ser a comemoração em pleno palco do aniversário de 70 anos de Clinton.

Recepcionado pelos rappers Flavor Flav e Chuck D, da banda Public Enemy, que apareceram de surpresa para participação logo no início do show, George Clinton entrou no palco de quepe de piloto, orquestrando a balbúrdia dançante no meio de um guitarrista mascarado e uma vocalista patinadora, entre outros personagens.

Quando apareceu um bolo no palco para acompanhar os parabéns que todos cantavam, Clinton sem hesitar arrancou um pedaço com a mão, serviu-se e ainda lambuzou os rostos de seu guitarrista e Flavor Flav.

Apesar das extravagâncias, a banda seguia absolutamente perfeita em cada nota, acorde, solo, dinâmicas em hits como “Give up the funk”, “Free your mind and your ass will follow”, “Flash light”, “Knee deep” e “Mothership connection”. Aula de música dançante, lição de diversão e libertação. Não à toa, na plateia o icônico dançarino Nelson Triunfo exibia um dos maiores penteados afro já vistos no Brasil.

Em “Somethin’ stank” (de letra que diz algo como “senti o cheiro e quero um pouco”), Clinton convocou ao palco a neta rapper, Sativa Clinton, e fez sinais encorajando ao público que fumasse. Pediu e foi atendido: um presente encostou no palco e lhe ofereceu um cigarro enrolado à mão (presumivelmente um baseado), que Clinton acendeu ali mesmo, na hora.

Entre música máxima, performances algo surrealistas e o irresistível chamado à diversão em tempo integral de Clinton, não foi muito diferente do que se esperaria de uma viagem psicodélica a outra dimensão. No caso, ao universo colorido e particular de George Clinton.