Estado de sonho
Ronaldo Evangelista
Matéria ontem na Folha Ilustrada sobre o disco novo de Kassin, Sonhando Devagar, saiu acompanhada de crítica minha, despertando, abaixo.
Os sentidos adormecidos, a percepção ainda livre de influências exteriores, aquela momentânea incerteza sobre o que é real e o que é imaginado: nossa sensibilidade fica aguçada de uma maneira muito particular quando acordamos, envolvendo o ritmo do mundo em estado de sonho.
Esse espírito difuso, leve e agradável, dos nossos primeiros momentos despertos parece ser o registro em que existe “Sonhando Devagar”, o primeiro disco solo de Kassin – ou segundo, ou terceiro, ou quarto, dependendo de onde começar a contar.
“Eu sonhei” são as primeira palavras do disco, e a ideia permeia letras e inspirações, liberdade conceitual de cantar sobre calças de ginástica, bolhas de sabão, telefones fora de área, bebês no sofá, suor e sorvete, câimbras noturnas e mioclonia.
Ironia bem humorada e psicodelia tropical, brincando com o absurdismo de literalidades, trava-línguas, oposições, inversões, malandragem, detalhismo espirituoso, simplicidade de intenções, excentricidade divertida – a mesma abordagem heterogênea e espontânea para conceitos e para sons.
Cruzando timbres de discos brasileiros dos anos 70 com pop japonês, bolero e samba-rock com indie e eletrônico experimental, música doce sobre sangue de foca e discopunk safada, Kassin funciona no encontro, no atrito, na confluência.
Se no mundo nada se cria e nada se perde, tudo se transforma, o mais interessante da obra do produtor e compositor é ver seu talento alquímico de transmutação de material bruto – estilos, referências, sons, ideias cotidianas – em pequenas pérolas pop de sofisticação casual. A ponta da criatividade nas recombinações, a justaposição de elementos já em si uma nova criação.