Donato, sem pressa
Ronaldo Evangelista
Nesta quarta, 17 de agosto, João Donato completou 77 anos. Com seu zengroovismo e sensibilidade musical de dedos mágicos bailando pé ante pé pelas possibilidades de beleza sobre as harmonias e infinitas melodias, louco é todo mundo que não é Donato.
Apareça compondo, tocando ou participando de inúmeros discos levando incontáveis ideias, sons, brilhantismos e particularidades, simples de ouvir e instintivamente criativa, a música de Donato é um grande sim.
Como só os muito dotados de presença de espírito e naturalidade conseguem fazer acontecer, o tempo parece se curvar para ele encaixar tantas sugestões de toques de leveza na alma quanto desejar.
O ritmo é seu, harmonia é um processo desencadeado, paz é um lugar interno e música é saber se deixar levar. É legal saber pra onde se está indo e o prazer da viagem é a viagem.
§ No extra “As Aventuras de João”, do DVD Donatural, momentinhos, Donas comenta:
Pra passar prum mundo mais despreocupado com a vida. E menos apressado de chegar ali do outro lado da rua pra fazer não sei o quê. Pra ter ido logo e voltado logo e voltado pra casa logo pra assistir logo um programa logo e dormir logo e acordar logo pra sair de manhã logo e chegar não sei aonde logo.
E aí às vezes não tem tempo de tomar o cafezinho na hora do almoço porque, dá licença, não posso ficar pro cafezinho porque tenho que ir logo pra não sei aonde. E vai logo e você fica parado com dois cafezinhos. Aí você acaba não tomando nenhum dos dois, parece que você esqueceu de tomar até o seu café também.
Aí tudo isso faz você pensar que não tem pressa pra ir a lugar nenhum. Mesmo porque ninguém vai a lugar nenhum mesmo, vai todo mundo um dia morrer e se divertir com os momentinhos que foram passando lentamente pela pessoa. Senão ela não dá tempo nem de olhar para o lado. Se for muito depressa, você chega lá e não sabe mais onde está indo e não sabe mais por onde está passando. Nem foi, nem viu por onde ia.
Dizem que o prazer da viagem está na viagem, não em ter chegado lá. Quando chega lá, aí é festa total. Mas não é esperar pra chegar lá pra ser feliz. Você é feliz indo pra lá, desde ontem. O regulamento é assim: ser feliz ou ser feliz.
§ Acompanhando por 15 anos auge gravações de e com Donato, de trombone latino no Brasil e jazz em discos latinos a órgãos e pianos elétricos crazy e suaves, nos States e de volta, seleção em play contínuo logo abaixo, Donato 60-75:
João Donato e seu Conjunto – Mambinho (Dance Conosco, 1960)
Mongo Santamaria – Sabor (Mighty Mongo, 1962)
Tito Puente & His Orchestra – Sambaroco (Vaya Puente, 1962)
Donato e Seu Trio – Jodel (Muito à Vontade, 1962)
Donato e Seu Trio – Sambongo (A Bossa Muito Moderna de Donato e Seu Trio, 1963)
João Donato – It didn’t end (The New Sound of Brazil, 1965)
Bud Shank – Sausalito (Bud Shank and His Brazilian Friends, 1966)
Sergio Mendes & Brasil ’66 – The Frog (Look Around, 1968)
Cal Tjader – Warm song (The Prophet, 1968)
Cal Tjader – Amazon (Solar Heat, 1968)
João Donato – Cadê Jodel? (A Bad Donato, 1970)
João Donato e Eumir Deodato – Batuque (Donato/Deodato, 1972)
João Donato – Me deixa (Quem é Quem, 1973)
Nana Caymmi – Ahiê (Nana Caymmi, 1973)
Gal Costa – Até quem sabe (Cantar, 1974)
João Donato – Deixei recado (Lugar Comum, 1975)
§ A linda e íntima foto, de Jorge Bispo, 2008, veio daqui.