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Categoria : Jazz

a apresentação perfeita de Keith Jarrett no Rio
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Ronaldo Evangelista

Fim do ano passado, liguei para Keith Jarrett, ótimo papo, e conversamos sobre o prazer do improviso, o sabor do inesperado e sobre seu mais recente disco, gravado ao vivo em apresentação no Brasil. Parte das ideias trocadas, em matéria na Folha e logo abaixo.

Abril último, o pianista Keith Jarrett, 66, veio ao Brasil para apresentações na Sala São Paulo e no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Guiado pela improvisação absoluta, somando conhecimento erudito, décadas de experiência no jazz e ultrassensibilidade musical, o show no Rio, especialmente, impressionou até ao próprio músico.

Ainda nem tinha partido do país quando percebeu que aquele tinha que ser seu próximo lançamento. Seis meses depois, Rio, o CD, já vem sendo recebido como seu álbum mais inspirado em anos. No Brasil o disco, duplo, está sendo distribuído pela gravadora Borandá.

Por telefone de sua casa em New Jersey, Estados Unidos, o músico falou sobre sua relação com música criada no momento e sua experiência no Brasil.

O senhor consegue identificar de onde surgiu a ideia de fazer apresentações completamente improvisadas?

Foi algo gradual através dos anos. Depois que gravei meu primeiro disco de piano solo, “Facing You”, no começo dos anos 70, participei de um festival e toquei canções, mas entre as canções continuei tocando, conectando as músicas. E aí fiquei mais interessado nas conexões do que nas canções e eventualmente tudo se tornou improvisado. Para mim foi como a ideia perfeita. Quando eu tinha sete anos e fazia recitais, eu tocava coisas que eu compunha – mas eu não as escrevia e tocava cada vez de um jeito. Então eu já improvisava, mas não pensava muito nisso.

É um desafio esquecer os temas e caminhos musicais com que você já tem familiaridade?

É fácil não pensar em música pra mim. Quase todo mundo tem uma ideia na mente antes de tocar, ou algo gravado, ou alguma memória, mas eu tento apagar tudo. Se estou numa cultura que tem sua própria música e apaguei tudo da minha mente, me torno conectado com a cultura. Então esse disco em particular é muito mais brasileiro que todos meus outros discos. Não por acidente, mas por osmose.

A música brasileira foi uma influência consciente enquanto tocava?

Eu estava consciente de que algumas harmonias estavam mudando porque eu estava no Brasil. Uma coisa sutil, não como se eu me tornasse outra pessoa. Mas acrescentei elementos que são parte de onde estou. Quis lembrar como o português do Brasil soa, tentei tirar algo do piano que não era exatamente música de piano, mas quase música de violão ou voz.

A primeira faixa do primeiro CD é bem abstrata, não tem nada de jazz. Mas, se você ouvir com atenção, há ritmos nela que não aparecem em nenhuma outra gravação minha. O conteúdo interno da música é formado por essas pequenas coisas que são as cores do local. Coisas que são parte da atmosfera, como a praia.

O senhor consegue identificar o que tornou a apresentação no Rio tão especial?

Eu tinha o piano e colocava o dedo em algum lugar. Depois que toquei o primeiro som ou eu criei uma prisão pra mim ou criei o começo de algo bom. Algumas das peças, especialmente no segundo CD, não soam improvisadas. O especial nesse show do Rio é que tudo foi igualmente bom, pelo menos pra mim. Não houve notas desperdiçadas. A duração de cada peça, a estrutura, o conceito, foi tudo perfeito. E não uso muito a palavra perfeito.

Quando o senhor toca, a principal busca é fazer algo completamente conectado ao momento, às pessoas, à situação?

Acho que um improvisador – não todos, mas idealmente – é alguém mais curioso com cada pequeno detalhe que é diferente naquele momento, como o som da tecla do piano, da sala, o feeling. Estas são as coisas às quais sou muito sensível.

Fui um improvisador e compositor por muitos anos, então percebi quanto mais interessante era compor e improvisar simultaneamente. Não estava mais interessado em notas escritas em um papel. Elas estão simplesmente lá e vai ser bom ou ruim, mas não vai ser uma representação do momento.

Cada surpresa, cada acidente, cada erro é precioso.

Exatamente. Na verdade, os erros são muitas vezes mais preciosos, as pequenas coisas que mostram que é tudo improvisado. Muitas vezes a audiência não se lembra a cada segundo que é tudo improvisado. Se lembrassem, estariam tão ocupados ouvindo que não tossiriam, não tirariam fotos, eles seriam parte do processo. É por isso que ainda acho que a audiência é tão importante quanto qualquer outra coisa na sala. Muito mais importante, na verdade, que qualquer outra coisa.


Queremos Miles
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Ronaldo Evangelista

*A megaexpo We Want Miles, compêndio iconográfico da vida de Miles Davis, que passou nos últimos anos por Paris e Montreal, chega ao Brasil nesta terça, abertura de Queremos Miles no CCBB do Rio de Janeiro, até 28 de setembro. Em São Paulo, fica no Sesc Pinheiros de 19 de outubro a 25 de janeiro. Em discos, instrumentos, imagens, vídeos, memorabílias e lembranças que constatamos como a modernidade elegante de Miles, seu poder de síntese e sensibilidade estética aguçada, sua força como agregador de conceitos ricos, diferentes, essenciais são elementos grandiosos de sua obra.

*Abaixo, algumas imagens sacadas dessa turnê virtual pela exposição.





Tags : Miles Davis


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