Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : João Gilberto

João Gilberto ao vivo em setembro
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto completa 80 anos nessa sexta (dia 10) e o plano é não deixar a data passar em branco. O mais importante foi dito hoje: João vai fazer seu primeiro show em São Paulo desde 2008, quando tocou no Auditório Ibirapuera. A apresentação será no dia 3 de setembro, no HSBC Brasil. Uma semana depois, no dia 10, João toca no Vivo Rio, Rio de Janeiro. Diz-se que podem ser as apresentações de despedida de João dos palcos e o plano é transmitir os shows para salas de cinema pelo mundo, com direção do fotógrafo Walter Carvalho. Os ingressos vão custar por volta de R$100 e começam a ser vendidos em agosto.


vai vai vai vai vai
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Ronaldo Evangelista

Depois de gravar os seus famosos três primeiros álbuns, em 59-60-61, João Gilberto em 1962 não só foi a Nova York representar o melhor do melhor ao tocar no Carnegie Hall como se internacionalizou também em breve participação na trilha do filme franco-ítalo-brasileiro Copacabana Palace.

João no auge da sutileza do canto e no máximo de suingue do violão, curiosamente fazendo cena para uma festa dançante sessentista (com uma Carmen surreal). A música, a novíssima “Só danço samba”, com Os Cariocas (saída do mesmo show coletivo com Tom e Vinicius onde nasceram “”Garota de Ipanema” e “Samba da bênção”), em prévia da versão que João faria no ano seguinte com o sax de Stan Getz.

As harmonias vocais (agudas, graves, abertas, dissonantes) dos Cariocas são chocantes, especialmente sobre a base zen do violão do João (e um breve “vai vai vai vai vai” aos 2m31s), mas a cereja do bolo é a caidinha que João dá com a voz aos 36 segundos, de resumir toda sua genialidade em um suspiro – enquanto canta sozinho uma vez antes do grupo vocal entrar rasgando. Gravado para a bande originale do filme e só lançado na França em um EP (ou “compacto duplo”).




zen baiano
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto um dia chegou direto dos Estados Unidos para Salvador, pegou um táxi e foi até a casa de um conhecido. Quando seu amigo veio à porta, João pediu-lhe: “Me leva até Juazeiro?” O conhecido, ainda meio acordando, não entendeu: “Como? Juazeiro?” “Não, não, deixe que eu vou de táxi”, interrompeu João, ternura e feitiço. “É que conversando com você a viagem seria mais agradável”. O rapaz não resistiu: “Espere que eu vou vestir uma roupa”. João: “Vamos assim mesmo, não precisa levar mala.”

Pegaram a estrada e foram encontrar a família de João, verdadeira festa. Todos atônitos com a presença de Joãozinho ali de surpresa. Abraçando sua mãe, pede: “Mamãe, a senhora tem aquele cafezinho que só existe aqui em casa?” Ela mandou vir o café e eles tomaram. João deu mais um abraço apertado na mãe e despediu-se: “O cafezinho foi demais, outro dia venho para outro”. Chamou o amigo, entraram no carro, rumaram para o aeroporto da capital e voltou para os States.

A deliciosa história de João vir da América da Norte para tomar um cafezinho com sua mãe foi contada por Luiz Galvão, dos Novos Baianos, e é apenas uma do enorme anedotário que envolve João Gilberto. O folclore sempre nasce da admiração máxima e a arte de João conquista admiradores como mantras zen.

O jornalista paranaense Aramis Millarch [1943-1992] lembrou de história sobre quando Elba Ramalho ligou a João e conversaram longamente, até ele convidá-la a uma visita. Antes de desligarem, João fez um pedido. “Elbinha, me faça um favor: traga um baralho, destes incrementados, com desenhos diferentes”.

Aramis continua:

Radiante, Elba percorreu meio Rio de Janeiro até encontrar um baralho que julgava fosse o desejado por João. Eufórica, foi ao apart-hotel, subiu ao apartamento e apertou a campainha. Uma, duas, três vezes. Finalmente, a porta se entreabriu e João perguntou: – “É você, Elbinha? Trouxe o baralho?” Elba respondeu que sim. João pediu então para ela passar o baralho. Embora estranhando, ela lhe deu o baralho. A porta se fechou e Elba ficou – ao menos aquela vez – sem ver seu ídolo.

Em cena do documentário Pedrinha de Aruanda, de Andrucha Waddington, Maria Bethânia conta outra famosa de João: ele dirige de ouvido. As lendas contam sobre vários cruzamentos furados em pleno farol vermelho e de repente uma parada brusca em um verde – para um carro cruzar a toda. Ouvido perfeito.

Outro mito recente se criou em torno da persona online de João, presente (ou não) no Facebook. É ele? Não é ele? Impostores profissionais e tão obsessivos quanto a vítima de impostura? Jacques Morelenbaum e Daniel Jobim tem certeza que é ele. Danilo Caymmi Também. Miúcha, ex-mulher, não tem certeza. Já o empresário de João, Otávio Terceiro, quer mandar prender o farsante. Mais da novela nessa matéria da Folha e nessa d’O Globo.

João, provavelmente, segue alheio a tudo fora do universo de sua música, exilado dentro de sua arte e suas idiossincrasias. Quem analisa a relação entre a concentração constante de João Gilberto e seu isolamento radical e decorrentes mitos é Nelson Motta, trecho abaixo editado de uma fala sua no Roda Viva:

Essa vida monástica que o João vive, eu já comparei ele a um mestre zen. Você atinge um equilíbrio, uma serenidade, uma ausência de dor, uma ausência do medo, de dúvida – por muitas maneiras: arranjando flor, em várias artes zen. E o João desenvolveu isso, essa arte, essa meditação zen.

Quando ele está em casa cantando a mesma música, são mantras de quatro minutos que ele canta, canta, canta, canta. E, quando você está cantando, é o mesmo princípio da meditação: se, em algum momento sua cabeça voar um pouquinho, se você pensar “não, mas aquela garota…”, você erra. Então, isso vai até o fim da música.

Se você errar tem que começar tudo de novo. Enquanto você está concentrado naquilo, você não está pensando em você, você não está pensando no mundo, você não está pensando em dinheiro, você não está pensando em ambição. Acho que o João tem muito essa coisa. Ele vive lá no Himalaia dele, no Leblon, naquele trigésimo andar, vendo o Rio todo, ele é zen baiano.

§Na busca de João pelo som perfeito, elemento-chave é a economia, a sutileza, a clareza de mensagem, a riqueza pela ausência de elementos, o menos-é-mais. Na vida – e na construção de seu próprio mito, humano – não pode ser diferente.
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