Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : Os Cariocas

Faixa a faixa: Lost Sessions do Marcos Valle, 1966
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Ronaldo Evangelista

Já chegou à mão dos mais inteirados a caixa Tudo, com a discografia de Marcos Valle na gravadora Odeon (hoje EMI) entre 1963 e 1974. Como sabido, um CD bônus traz um disco até hoje inédito, gravado em 1966 e apenas parcialmente com a voz de Valle, na prática pérola instrumental sessentista. Ouvindo o disco com sede dos arranjos de Eumir Deodato – que fez também os discos imediatamente anteriores e posteriores de Valle -, acompanho com anotações faixa a faixa, logo abaixo.

Os Grilos
Como quase todas as faixas do “álbum” na base dos dois minutos, é só o necessário pra um clássico: prenúncio de trompetes, groove de baixo, violão e cordas entrando perfeitos, a melodia irresistível cantada por Valle. O balanço de piano do final e o trompete com surdina que acompanha o canto ficam ainda mais brilhantes ao ouvido na versão instrumental de bônus no fim do CD. Foi lançada, ao lado de três outras faixas deste disco, em um compacto na época.

Uma lágrima
Depois do começo com cordas e metais, entra o violão de balanço bossa nova onde certamente estaria a voz. Parece pouco, mas o groove de baixo e bateria que entra quase ao um minuto é perfeito, com uma bela cama de cordas e acordes tranquilos de sopros. A única totalmente inédita do disco é a que mais soa como curiosidade, janela para o processo de criação, espaços vazios onde estaria a melodia desconhecida.

Lá eu não vou
Grande balanço de violão, baixo e bateria, levado por ataque de sopros e cordas. O que potencialmente seria uma das mais marcantes do LP que não houve virou nota de rodapé de Marcos Valle, aqui um lado B discreto samba-jazz, esquecida pelo autor enquanto regravada no terceiro LP de Claudete Soares, em 67.

Batucada surgiu
Música muito conhecida de Marcos Valle, mas nem tanto nessa versão original, lançada só no compacto mencionado e agora como parte da sequência original do álbum não lançado. A sugestividade dos sopros, o suingue de violão e detalhes de piano, o balanço da melodia: um clássico regravado em várias versões, muitas instrumentais. Dá pra entender ouvindo a perfeição do arranjo instrumental envolvendo a voz, e também perfeito na versão sem voz – faixa-bônus do CD bônus. Fazer samba é não morrer.

Primeira solidão
Outra que soa como curiosidade, sem a voz de Valle para acompanhar a base de violão bossa nova e o arranjo sem muitos elementos extras além das caídas orquestrais, cordas e flautas e trompetes distantes, bossa lenta. Gravada, como canção, afinal, no mesmo 1966 pel’Os Cariocas, no álbum Arte/Vozes.

O amor é chama
Piano moderno e violino belo e simples, baixo e bateria jazzísticos, bossa tão elegante que mesmo já assim sem voz foi lançada no compacto com “Grilos” – violão e piano tinindo e um curtíssimo e lindo solo do que soa como uma aveludade trompa ou um flugelhorn.

É preciso cantar
É ouvir os sopros samba-jazz da introdução se encaixando perfeitos com a melodia que Valle logo entra cantando pra perceber que não dá pra subestimar os elementos que ouvimos dentro de arranjos tão ricos – como são exatos os breves comentários instrumentais por todas as composições. E não esquece: é um defeito ser sentimental.

Pensa
Levado por dedilhado de guitarra e clima pianinho, pouco depois do um minuto a dinâmica levanta para receber um solo de sax, que leva a faixa até o final. Teria ficado lindo Valle cantando solo no começo e talvez duetando com o sax na segunda parte. Dá pra imaginar ouvindo a versão lançada da canção um ano antes pela cantora Luiza, com arranjo de Moacir Santos.

Mais vale uma canção
Sem a melodia principal, os acordes de sopros nos contracantos e curtos solos de piano ganham ares de protagonista e a levada pra frente de bateria e violão transformam a faixa instrumental em um hit perdido do samba-jazz, talvez até melhor assim sem voz. Pra checar, no mesmo ano Os Cariocas gravaram também essa canção no LP Passaporte.

Lenda
Linha grandiosa de cordas e sopros suaves anunciam o que certamente seria uma dessas canções de Marcos que se desenvolvem tranquilamente, com melodia perfeita e letra de ecoar na cabeça. Sem dúvida: só ouvir, em 1971 Cassiano gravou a canção lindamente no álbum Imagem e Soul. Aqui ainda sem voz, com breves interjeições de sax e um riff de cordas e trompete com surdina pontuando o refrão.

Se você soubesse
Riff de cordas e ritmo à broadway, com ataque de sopros samba-jazz. O violão, sem a voz por cima, leva um balanço tão bom que não decepciona quando ganha o primeiro plano. Os breves comentários de trompete e sopros e cordas e viradas de bateria garantem o resto da dinâmica.


Parabéns, João!
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Ronaldo Evangelista

Eu sei que deve ser chato esse monte de gente futucando, despejando, solicitando, ligando, falando de você o tempo inteiro bem nessa semana de comemoração interior, de ciclos e de longevidade, de balanço e de orgulho. Mas você deve bem saber que isso é apenas condizente e equivalente à estatura da sua criação para o mundo e à impressionante admiração que inspira. Tenho certeza que você percebe tudo como ondas de amor.

Fique tranquilo no seu apartamento com vista pro mar e de cortinas fechadas, converse com os amigos e peça sua comida por telefone, veja a luz do aparelho piscar enquanto ele toca sem som, fume o seu se ainda fumar, assista TV no mudo, medite e toque seu Tarrega de boca ovalada. Cante até não aguentar mais e aí cante mais um pouco. São momentos preciosos, dos quais espero que a senhorita Faissol esteja fazendo captações bacanas.

Oitenta anos é uma idade linda e é muito bonito termos você e sua música aqui conosco, presente sempre na possibilidade de um novo som, um novo show, um novo disco. A poesia do mundo aumenta ao saber que há maravilhosos sambas esquecidos que podem ressurgir a qualquer momento novos em folha em sua voz. Sei que lembrarei por toda vida do que foi vê-lo ao vivo todas as vezes quanto possível e ainda espero que sejam várias. Torço pela inverdade das recentes notas dando conta de uma “despedida” sua. Grandes artistas não se despedem, grande arte não precisa se despedir porque está sempre presente.

Seja como for, espero que sejam maravilhosos seus próximos shows em setembro, estarei lá. Se der pra não atrasar muito, seria legal. Mas não esquente muito se o pessoal ficar te apressando, a gente está tranquilo. Grandes homens são homens de concentração, que colocam toda sua mente em uma coisa por vez, não é o que dizia Paramahansa Yogananda? Como são lindos os iogues.

Em sua homenagem, nós aqui de fora do seu apartamento comemoramos lembrando todos os seus discos, somando todos os registros disponíveis e ouvindo algumas de suas músicas favoritas nas versões originais, só pra dar vontade de ouvir tudo de novo.

Fique bem e fique zen.

Abraço amoroso,
Ronaldo


João pirata
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto nunca é suficiente. Adepto do menos é mais até na quantidade de discos e shows, sua produção é muito menor do que a demanda de ouvidos. Já que muito de sua arte vem da intensa depuração e reinterpretação, faz sentido a obsessão de fãs com as muitas gravações caseiras, bootlegs de show, áudios de especiais de TV e afins que circulam há anos e atingiram seu auge de circulação com a internet.

§Abaixo, cinco discos ao vivo nunca lançados de João que você encontra na rede.


REGISTROS NA CASA DE CHICO PEREIRA (1958)

Captado um ou dois anos antes das gravações do primeiro disco de João, na casa do fotógrafo Chico Pereira, é fascinante por mostrar sua música já pronta como a conhecemos hoje – e captar o espanto de sempre dos ouvintes.

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UM ENCONTRO COM JOÃO GILBERTO, TOM JOBIM, VINICIUS DE MORAES & OS CARIOCAS (1962)

Famoso show de 1962 que reuniu João a Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas no Au Bon Gourmet para lançarem canções como “Garota de Ipanema”, “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da bênção”. Histórico há 40 anos.

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A ARTE E O OFÍCIO DE CANTAR (1982)

Especial da TV Bandeirantes feito em 1982, já começava com barraco e trazia João cantando várias músicas inéditas em sua voz e participação de Ney Matogrosso. Enquanto não vira DVD você encontra o áudio completo em dezenas de torrents.

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JOÃO GILBERTO EN MADRID (1985)

Gravado ao vivo na Espanha no mesmo ano do belo álbum “Ao Vivo em Montreux”, traz João em uma excelente hora de voz e violão.

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JOÃO GILBERTO Y CAETANO VELOSO AO VIVO EN BUENOS AIRES (1999)

Apesar da “capa” inexplicável – coisas da internet -, o registro é de um ótimo show feito por João com Caetano Veloso (juntos e separados) e seu violões, em 1999, Buenos Aires.

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Qual mais?
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vai vai vai vai vai
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Ronaldo Evangelista

Depois de gravar os seus famosos três primeiros álbuns, em 59-60-61, João Gilberto em 1962 não só foi a Nova York representar o melhor do melhor ao tocar no Carnegie Hall como se internacionalizou também em breve participação na trilha do filme franco-ítalo-brasileiro Copacabana Palace.

João no auge da sutileza do canto e no máximo de suingue do violão, curiosamente fazendo cena para uma festa dançante sessentista (com uma Carmen surreal). A música, a novíssima “Só danço samba”, com Os Cariocas (saída do mesmo show coletivo com Tom e Vinicius onde nasceram “”Garota de Ipanema” e “Samba da bênção”), em prévia da versão que João faria no ano seguinte com o sax de Stan Getz.

As harmonias vocais (agudas, graves, abertas, dissonantes) dos Cariocas são chocantes, especialmente sobre a base zen do violão do João (e um breve “vai vai vai vai vai” aos 2m31s), mas a cereja do bolo é a caidinha que João dá com a voz aos 36 segundos, de resumir toda sua genialidade em um suspiro – enquanto canta sozinho uma vez antes do grupo vocal entrar rasgando. Gravado para a bande originale do filme e só lançado na França em um EP (ou “compacto duplo”).




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