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A Nova Onda do Samba-Jazz
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Ronaldo Evangelista

Matéria que escrevi ontem na Folha comenta a influência perene do samba-jazz na música instrumental brasileira e alguns novos discos que abordam o estilo, como o brilhante novo álbum do sexteto do Marcos Paiva e o balançado disco-tributo de Joãozinho Parahyba. Sobre tudo, logo abaixo.

Álbuns dão largada para uma nova onda do samba-jazz
Estilo de improviso brasileiro que viveu auge nos anos 60 ganha homenagens em discos autorais que atualizam ideias da época

O jazz não era nenhum estranho para a música brasileira nem vice-versa, mas um dia os músicos tiveram um estalo que mudou tudo. E se pegassem o vigor do mais moderno jazz e o tocassem com toda a riqueza rítmica brasileira? E se tocassem hard bop, mas com a batida de samba, livremente levada entre aros e pratos e improvisos nas marcações do bumbo e surdo?

Surgido no começo dos anos 60, o samba-jazz foi mais do que um movimento, foi o nascimento de uma nova maneira de tocar. Hoje, 50 anos depois – entre muitos músicos que desenvolvem o estilo tocando, como então, em bares, pela noite -, novos álbuns tomam o gênero como ponto de partida para novas criações.

Marcos Paiva, 37 anos, contrabaixista e arranjador, em seu recém-lançado Meu Samba no Prato – Tributo a Edison Machado, escolheu se debruçar sobre o clássico Edison Machado é Samba Novo, LP de 1964 que reunia nomes como Moacir Santos, JT Meirelles e Paulo Moura em torno do baterista Machado, disco de improvisações quentes e arranjos ousados.

À frente de um sexteto totalmente acústico, formado por Daniel de Paula na bateria, Daniel D’Alcântara no trompete, Jorginho Neto no trombone, Cássio Ferreira no sax alto e Edinho Sant’anna no piano, Paiva desenvolve temas e arranjos baseados nas composições do álbum original, atualizando as ideias, partindo dali para chegar em um lugar novo e contemporâneo. O trombonista Neto, de 28 anos, membro do sexteto de Paiva, também lança agora disco autoral dedicado ao gênero, simplesmente chamado Samba Jazz.

“O samba-jazz é o começo da linha evolutiva da música instrumental brasileira”, observa Paiva. “É a primeira vez que a música brasileira se une de verdade com o jazz. Quis fazer um tributo ao Edison, um músico com muita personalidade, e também a toda uma geração.”

João Parahyba, 61, conhecido internacionalmente como baterista do Trio Mocotó, viveu em pessoa o momento do nascimento do gênero. Era um garoto de 15 anos quando começou a frequentar boates de São Paulo para assistir (e ocasionalmente improvisar junto de) músicos como Zimbo Trio e Sambalanço Trio, de Cesar Camargo Mariano. Seu novo álbum O Samba no Balanço do Jazz presta homenagem a seus heróis iniciais, com temas de João Donato, Moacir Santos, Laércio de Freitas e Amilton Godoy (do Zimbo).

“O samba-jazz é um samba com influências americanas e europeias, tem o lado afro e tem coisas que são quase peças clássicas”, nota Parahyba. Assim, comenta que o estilo sempre esteve presente no que fez. “A relação do Trio Mocotó com o jazz era até radical, éramos três percussionistas que tocavam em uma boate acompanhando tudo. A gente tocava “Take five” com um trio de jazz em ritmo de samba.”


Meu Samba no Prato
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Ronaldo Evangelista

Está na rua o melhor disco de samba-jazz gravado no Brasil em anos: Meu Samba no Prato, Tributo a Edison Machado pelo baixista Marcos Paiva e seu sexteto. Sem clichês, sem convenções baratas, sem emulações gratuitas: grandes arranjos e belos improvisos, elogio não só ao som mas também à criatividade do incrível disco Edison Machado é Samba Novo. Hoje à noite, ao vivo no teatro do Sesc Pompeia, com participação de Raul de Souza – aliás, um dos solistas do LP original, quase 50 anos atrás.


Faixa a faixa: Lost Sessions do Marcos Valle, 1966
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Ronaldo Evangelista

Já chegou à mão dos mais inteirados a caixa Tudo, com a discografia de Marcos Valle na gravadora Odeon (hoje EMI) entre 1963 e 1974. Como sabido, um CD bônus traz um disco até hoje inédito, gravado em 1966 e apenas parcialmente com a voz de Valle, na prática pérola instrumental sessentista. Ouvindo o disco com sede dos arranjos de Eumir Deodato – que fez também os discos imediatamente anteriores e posteriores de Valle -, acompanho com anotações faixa a faixa, logo abaixo.

Os Grilos
Como quase todas as faixas do “álbum” na base dos dois minutos, é só o necessário pra um clássico: prenúncio de trompetes, groove de baixo, violão e cordas entrando perfeitos, a melodia irresistível cantada por Valle. O balanço de piano do final e o trompete com surdina que acompanha o canto ficam ainda mais brilhantes ao ouvido na versão instrumental de bônus no fim do CD. Foi lançada, ao lado de três outras faixas deste disco, em um compacto na época.

Uma lágrima
Depois do começo com cordas e metais, entra o violão de balanço bossa nova onde certamente estaria a voz. Parece pouco, mas o groove de baixo e bateria que entra quase ao um minuto é perfeito, com uma bela cama de cordas e acordes tranquilos de sopros. A única totalmente inédita do disco é a que mais soa como curiosidade, janela para o processo de criação, espaços vazios onde estaria a melodia desconhecida.

Lá eu não vou
Grande balanço de violão, baixo e bateria, levado por ataque de sopros e cordas. O que potencialmente seria uma das mais marcantes do LP que não houve virou nota de rodapé de Marcos Valle, aqui um lado B discreto samba-jazz, esquecida pelo autor enquanto regravada no terceiro LP de Claudete Soares, em 67.

Batucada surgiu
Música muito conhecida de Marcos Valle, mas nem tanto nessa versão original, lançada só no compacto mencionado e agora como parte da sequência original do álbum não lançado. A sugestividade dos sopros, o suingue de violão e detalhes de piano, o balanço da melodia: um clássico regravado em várias versões, muitas instrumentais. Dá pra entender ouvindo a perfeição do arranjo instrumental envolvendo a voz, e também perfeito na versão sem voz – faixa-bônus do CD bônus. Fazer samba é não morrer.

Primeira solidão
Outra que soa como curiosidade, sem a voz de Valle para acompanhar a base de violão bossa nova e o arranjo sem muitos elementos extras além das caídas orquestrais, cordas e flautas e trompetes distantes, bossa lenta. Gravada, como canção, afinal, no mesmo 1966 pel’Os Cariocas, no álbum Arte/Vozes.

O amor é chama
Piano moderno e violino belo e simples, baixo e bateria jazzísticos, bossa tão elegante que mesmo já assim sem voz foi lançada no compacto com “Grilos” – violão e piano tinindo e um curtíssimo e lindo solo do que soa como uma aveludade trompa ou um flugelhorn.

É preciso cantar
É ouvir os sopros samba-jazz da introdução se encaixando perfeitos com a melodia que Valle logo entra cantando pra perceber que não dá pra subestimar os elementos que ouvimos dentro de arranjos tão ricos – como são exatos os breves comentários instrumentais por todas as composições. E não esquece: é um defeito ser sentimental.

Pensa
Levado por dedilhado de guitarra e clima pianinho, pouco depois do um minuto a dinâmica levanta para receber um solo de sax, que leva a faixa até o final. Teria ficado lindo Valle cantando solo no começo e talvez duetando com o sax na segunda parte. Dá pra imaginar ouvindo a versão lançada da canção um ano antes pela cantora Luiza, com arranjo de Moacir Santos.

Mais vale uma canção
Sem a melodia principal, os acordes de sopros nos contracantos e curtos solos de piano ganham ares de protagonista e a levada pra frente de bateria e violão transformam a faixa instrumental em um hit perdido do samba-jazz, talvez até melhor assim sem voz. Pra checar, no mesmo ano Os Cariocas gravaram também essa canção no LP Passaporte.

Lenda
Linha grandiosa de cordas e sopros suaves anunciam o que certamente seria uma dessas canções de Marcos que se desenvolvem tranquilamente, com melodia perfeita e letra de ecoar na cabeça. Sem dúvida: só ouvir, em 1971 Cassiano gravou a canção lindamente no álbum Imagem e Soul. Aqui ainda sem voz, com breves interjeições de sax e um riff de cordas e trompete com surdina pontuando o refrão.

Se você soubesse
Riff de cordas e ritmo à broadway, com ataque de sopros samba-jazz. O violão, sem a voz por cima, leva um balanço tão bom que não decepciona quando ganha o primeiro plano. Os breves comentários de trompete e sopros e cordas e viradas de bateria garantem o resto da dinâmica.


Caixa relança em CD seis primeiros do Zimbo Trio
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Ronaldo Evangelista

No auge da movimentação samba-jazz, 1964, enquanto destacavam-se formações instrumentais no Rio de Janeiro como o Sexteto Bossa Rio, o Copa 5 e o Tamba Trio, em São Paulo nascia o que tornaria-se o mais famoso e duradouro dos trios da cidade: o Zimbo Trio. Sempre na pegada, ritmo quente e arranjos ultradesenvolvidos, com mudanças de andamento, dinâmicas desafiadoras, altas convenções, mais Modern Jazz Quartet que cool da Costa Oeste.

Ainda na ativa hoje com novos membros sob a tutela do pianista Amilton Godoy, o Zimbo em sua fase inicial contava com o contrabaixista Luiz Chaves (falecido em 2007) e o baterista Rubinho Barsotti (aos 78 anos ocasionalmente convidado especial em apresentações), reunidos, há quase 50 anos, em torno da ambição de fazer mais que trilha para a noite e criar música brasileira moderna em arranjos sofisticados para um público idem, em teatros e casas de espetáculos, samba-jazz de câmara.

Entre 1964 e 1969 lançaram seis discos brilhantes pela gravadora RGE, testando todas as possibilidades do formato trio e experimentando com cordas e metais. De lá pra cá, os seis seguiam quase todos inéditos – excetuando-se o primeiro e o último dessa série, lançados em CD pela Som Livre em 2006. Agora, seguindo o modelo do recente box de Ed Lincoln, o selo Discobertas lança caixa de CDs com as seis primeiras obras-primas do Zimbo Trio.

Os discos foram remasterizados por Ricardo Carvalheira e saem com as capas originais. A caixa deve ser lançada até o final de julho. Em agosto, o Zimbo participa de evento de lançamento em São Paulo.
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Os seis álbuns do Zimbo Trio relançados no box:

Zimbo Trio (1964)
Zimbo Trio Volume 2 (1965)
Zimbo Trio Volume 3 (1966)
É Tempo de Samba – Zimbo Trio + Cordas (1967)
Zimbo Trio + Cordas Volume 2 (1968)
Decisão – Zimbo Trio + Metais (1969)
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Marcos Valle – The Lost Sessions (1966)
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Ronaldo Evangelista

Os dois primeiros discos de Marcos Valle são praticamente coletâneas de hits da fase inicial do compositor, além de amostras grandiosas do talento para arranjos de Eumir Deodato, antes de ambos partirem para os Estados Unidos – Deodato para morar definitivamente.

Seu terceiro álbum, que começou a ser gravado em 1966, seguiria o mesmo caminho, com o lançamento de canções como “Os grilos”, “Batucada surgiu” e “É preciso cantar”. Acontece que nunca houve: “Samba de verão”, do segundo LP de MV, de 65, estourou como “Summer samba” nos Estados Unidos (onde estavam Tom Jobim e Sergio Mendes) e os planos mudaram.

Para os States, no Rio, fez um disco instrumental, Braziliance, com arranjos de Deodato, e já novas versões de “Batucada”, “Os grilos” e algumas do segundo álbum. Na sequência, já gravando em Nova York (mas ainda com Deodato), para a gravadora Verve, fez “Samba ’68“, cantando novas versões em inglês de canções de seu segundo disco, algumas novas e “Grilos”, “Batucada” e “É preciso cantar” – a essa altura, naquelas primeiras gravações já compiladas no Brasil em um compacto duplo.

Depois da fase América, as ideias eram outras e o que nasceu em 1968 já foi o disco Viola Enluarada, indo além das bossas de até então. As onze faixas gravadas em 1966 no estúdio da Odeon, no Rio de Janeiro, lá ficaram.

Algumas canções já regravadas pelo autor, algumas regravadas por outros, uma inédita até hoje (e sem letra), tudo com violão e piano de Marcos Valle, Dom Salvador ao piano em algumas músicas, e MV, Geraldo Vespar e Deodato nos arranjos.

Três delas com vozes, prontas (as que saíram no compacto). As outras, com as imponentes orquestrações já registradas, aguardando finalização, inéditas para quaisquer ouvidos em toda sua eloquência, masters perdidos em uma caixa em uma estante.

Até caírem na mão de Charles Gavin, que produzia box sobre Marcos Valle. Como já havia sido feito excelentemente no box sobre Simonal (outro que tinha Deodato como arranjador pela mesma época), os discos já traziam como bônus versões sem voz, com as orquestrações em primeira plano. Daí a todo um disco inédito como graça extra, chegamos a The Lost Sessions. Discógrafos do Marcos Valle (e do Deodato), atualizem-se.

Em grande efeito, um disco perdido de samba-jazz, muito de Eumir Deodato sobre composições de Marcos Valle, com participação de luxo do autor na voz em três faixas. Só imagine: estamos falando de Deodato em 1966, em um momento entre os dois primeiros discos de Marcos Valle (de 64/65) e os dois americanos (de 66/67), todos com seus arranjos. (Ouça, por exemplo, “Vem”, do álbum O Compositor e o Cantor e pense nas possibilidades.)
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The Lost Sessions sai como CD bônus da caixa Tudo, que reúne os discos feitos por Marcos Valle na Odeon entre 1963 e 1974, a ser lançada pela EMI em julho.
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MARCOS VALLE – THE LOST SESSIONS (2011)

01. Os grilos (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
02. Uma lágrima (Marcos Valle)
03. Lá eu não vou (Marcos Valle / Marcos Vasconcellos)
04. Batucada surgiu (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
05. Primeira solidão (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
06. O amor é chama (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
07. É preciso cantar (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
08. Pensa (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
09. Mais vale uma canção (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
10. Lenda (Marcos Valle / Luiz Fernando Lula Freire)
11. Se você pudesse (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)

12. Os grilos *instrumental
13. Batucada surgiu *instrumental

Gravado nos estúdios da Odeon, Rio de Janeiro, 1966

Marcos Valle: voz nas faixas 1, 4 e 7, piano e violão
Dom Salvador: piano

Arranjos e orquestrações:
Eumir Deodato, Geraldo Vespar e Marcos Valle
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