Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : junho 2011

ANALÓGICO/DIGITAL
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

ANALÓGICO/DIGITAL

Todo som que ouvimos no computador ou no CD passa pelo processo analógico/digital para virar informação e digital/analógico para sair pelas caixas. A diferença é semelhança: não existe um caminho pro som, o som é o caminho. Transmutando cenas, somando contextos, naquele ponto comum de mágica na pista, vale tudo pelo bom som, anticarão, acontece a residência semanal ANALÓGICO/DIGITAL, alternando as festas Trabalho Sujo e Veneno nas quintas-feiras do Alley.

A continuidade é particularidade e cada noite é única e irrepetível. Além da série de mixtapes distribuídas na festa (e também online no http://soundcloud.com/analogicodigital), a cada semana a festa conta com happenings especiais acompanhando os sets – de coreografias de break a performance de patins setentistas, de jazz acústicos recepcionando a noite a raps improvisados no meio da madrugada.

Passeando pelo planeta e pelas épocas, juntando os discos do tradicional coletivo de grooves exclusivamente em vinil Veneno com os últimos ritmos digitais e hits revelados pelo blog extraordinaire Trabalho Sujo, a inédita festa ANALÓGICO/DIGITAL se define com novidades do passado e clássicos do futuro, grooves psicodélicos e diversão infinita.

ANALÓGICO/DIGITAL
Quintas no Alley Club, às 23h.
ESTREIA 16 de JUNHO, com participação do Mestre de Cerimônias Lord Baboo e seletores Alexandre Matias, Mauricio Fleury, Peba Tropikal e Ronaldo Evangelista..
Rua Barra Funda, 1066.
$30



Conselho para um jovem compositor, de Tom Zé
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Tom Zé contou em seu blog que um “veículo norte-americano” fez a pergunta tantas vezes feita a tantos: que conselho ele daria a um jovem compositor. Com sua invulgaridade de pensamento e precisão para o importante, atenção, respondeu assim:

Aqui.

Tags : Tom Zé


Tono Banheiro
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista


O senso de humor musical do quinteto carioca Tono é tão amplo quanto seu senso de pop, com suas dinâmicas para-e-vai e som acústico-elétrico – digamos, rock, mas com organicidade e temperamento brasileiro. Muito da graça vem da cristalina voz feminina dialogando com o coro de um a quatro homens, melodias memoráveis e no ponto do inesperado, letras fazendo questão de ser interessantes. Rafael Rocha, Ana Cláudia Lomelino, Bem Gil, Leandro Floresta e Bruno di Lullo já lançaram o bem nomeado Auge em 2009 e álbum seguinte, homônimo à banda, em 2010 – este segundo com pérolas como “Me sara” e “Ele me lê“.

Em tempos de Vicent Moon, Banda Mais Bonita, Arnaldo Lá em Casa e tantas coisas naturalisticamente presenciais, já ficou claro que a magia de criar um momento é a música certa no ambiente certo, 50/50 – nos happenings da vida real ou no mundo do audiovisual. Muito própria a abordagem do Tono, com a intimidade máxima de pia, banheira, privada, chuveiro, no banheiro da Ana Cláudia (e como todo bom banheiro com acústica privilegiada). Nos dois cliques acima, “Bem bom” e “So in”, instrumentação e musicalidade adaptadas à proximidade coletiva, filmagem de Clara Cavour. Foi tão legal que já marcaram três dias no fim do mês para fazer uma rápida interdição e direção de cena no mesmo banheiro e gravar um DVD, misturando músicas dos dois discos e novas.


Red Hot + Rio 2: tropicalismo intercontinental
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Quinze anos atrás, em 1996, a coletânea Red Hot + Rio fez um tributo moderno à música brasileira com gringos descolados como Stereolab, Everything But the Girl, Mad Professor, George Michael e Sting interpretando bossa nova. Agora, dia 28 de junho próximo, sai um segundo volume, desta vez com um olhar mais tropicalista da coisa. Se a bossa nova é um tranquilo estado de espírito, a tropicália é uma linguagem pós-moderna, natural para norteamericanos, caboverdeanos, europeus, brasileiros.

Em um CD duplo, com mais de meia centena de artistas colaborando em faixas majoritariamente inéditas, o Red Hot + Rio 2 tem Tom Zé encontrando Javelin para interpretar sua “Ogodô”, Marisa Monte se juntando a Devendra e Amarante pra um Caetano anos 80, Mayra Andrade cantando com Trio Mocotó, Phenomenal Handclap Band refazendo Milton com Marcos Valle, Madlib entortando Joyce, Vanessa da Mata cantando com o Almaz de Seu Jorge, Of Montreal reinterpretando o clássico “Bat Macumba” dos Mutantes com a versão século XXI dos próprios, Apollo Nove, Céu e N.A.S.A. mandando um Caetano em inglês, mais Orquestra Contemporânea de Olinda com Emicida, Money Mark com Thalma de Freitas, Beirut, DJ Dolores, Rita Lee, Curumin, Aloe Blacc, Marina Gasolina, Carlinhos Brown e um monte de gente.

Quem produz é Béco Dranoff (do selo europeu Ziriguiboom), que também produziu a primeira edição – ambas beneficentes, em combate à AIDS. A lista completa de músicas do CD você vê por aqui e logo abaixo um gostinho, com a californiana Mia Doi Todd colocando sotaque charmoso e abordagem indie na letra em português e no groove do afro-samba “Canto de Iemanjá”, de Baden e Vinicius:


Dia dos Namorados: Jeneci canta Mutantes, Mallu encontra Lulina
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Ontem, domingo, foi dia dos namorados. Aproveitou? A MTV recuperou uma antiga ótima ideia dela e colocou pessoas legais para cantar juntas canções de amor, no lindo cenário que é a Casa de Francisca. Romulo Fróes e Kiko Dinucci cantam Itamar Assumpção, Tulipa e Criolo cantam uma música dela, Jeneci e Laura cantam Mutantes, Mallu e Lulina cantam músicas das duas. Todos os vídeos podem ser vistos por aqui, logo abaixo dois momentos.


Grande achado cantar Mutantes, essa música, esse arranjo, grande diversão, “It’s very nice pra xuxu”, de Arnaldo, Rita e Sérgio, nas vozes de Marcelo Jeneci & Laura Lavieri.

Lulina com sua guitarra quadrada, Mallu de violão resonator e as duas de dueto vocal e de assobios em “Compromisso”, do segundo disco da Mallu, de 2009.


João & o violão
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Desde o dia em que pediu dois microfones para gravar “Chega de Saudade” – um para a voz, outro para o violão -, João Gilberto sempre teve o máximo de capricho com seu instrumento para criar sua música. Conhecido por seu som acústico e orgânico, de presença cristalina, a peça é sempre uma especial, João com seus modelos favoritos de violão e cordas de nylon. Ontem a Ilustrada publicou edição especial dedicada a João Gilberto e colaborei com detalhes sobre o violão de João:

Um dia em São Paulo no começo dos anos 60, João foi levado pelo radialista Walter Silva à fábrica da marca Di Giorgio para ganhar um violão de presente. Demorou três horas pra escolher, mas guardou o violão por décadas.

João regularmente ganha instrumentos de fabricantes e luthiers variados e tem alguns violões diferentes em casa.

O modelo “titular” de João até hoje é o modelo Tarrega de boca ovalada da Di Diorgio – sonoridade buscada obsessivamente por estudantes e seguidores em modelos da mesma marca e da mesma época.

As cordas para violão favoritas de João são as de nylon da marca belga La Bella, modelo 850B, para violão clássico. Quando amigos próximos viajam ao exterior, já sabem: a corda importada é o presente favorito de João.

João até hoje não troca as cordas do violão, tarefa que sempre incumbe a alguém de confiança. Entre antigos “trocadores de corda” de João estão Luiz Bonfá, Almir Chediak e Raphael Rabello. Hoje em dia é seu empresário Otávio Terceiro.


Parabéns, João!
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Eu sei que deve ser chato esse monte de gente futucando, despejando, solicitando, ligando, falando de você o tempo inteiro bem nessa semana de comemoração interior, de ciclos e de longevidade, de balanço e de orgulho. Mas você deve bem saber que isso é apenas condizente e equivalente à estatura da sua criação para o mundo e à impressionante admiração que inspira. Tenho certeza que você percebe tudo como ondas de amor.

Fique tranquilo no seu apartamento com vista pro mar e de cortinas fechadas, converse com os amigos e peça sua comida por telefone, veja a luz do aparelho piscar enquanto ele toca sem som, fume o seu se ainda fumar, assista TV no mudo, medite e toque seu Tarrega de boca ovalada. Cante até não aguentar mais e aí cante mais um pouco. São momentos preciosos, dos quais espero que a senhorita Faissol esteja fazendo captações bacanas.

Oitenta anos é uma idade linda e é muito bonito termos você e sua música aqui conosco, presente sempre na possibilidade de um novo som, um novo show, um novo disco. A poesia do mundo aumenta ao saber que há maravilhosos sambas esquecidos que podem ressurgir a qualquer momento novos em folha em sua voz. Sei que lembrarei por toda vida do que foi vê-lo ao vivo todas as vezes quanto possível e ainda espero que sejam várias. Torço pela inverdade das recentes notas dando conta de uma “despedida” sua. Grandes artistas não se despedem, grande arte não precisa se despedir porque está sempre presente.

Seja como for, espero que sejam maravilhosos seus próximos shows em setembro, estarei lá. Se der pra não atrasar muito, seria legal. Mas não esquente muito se o pessoal ficar te apressando, a gente está tranquilo. Grandes homens são homens de concentração, que colocam toda sua mente em uma coisa por vez, não é o que dizia Paramahansa Yogananda? Como são lindos os iogues.

Em sua homenagem, nós aqui de fora do seu apartamento comemoramos lembrando todos os seus discos, somando todos os registros disponíveis e ouvindo algumas de suas músicas favoritas nas versões originais, só pra dar vontade de ouvir tudo de novo.

Fique bem e fique zen.

Abraço amoroso,
Ronaldo


Zé Maconha, mas pode chamar de João Gilberto
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Antes de gravar “Corcovado”, em 1960, João Gilberto fez uma sugestão ao compositor Tom Jobim, prontamente acatada: mudar as primeiras palavras da canção de “um cigarro, um violão” para “um cantinho, um violão”. Segundo Ruy Castro no livro Chega de Saudade, ali João já não fumava nada. É que, segundo a mesma fonte, João passou boa parte da década de 50, nos tempos pré-bossa nova em que frequentava com João Donato a boate do Hotel Plaza para ouvir Johnny Alf ao piano, sob a influência da então ainda não criminalizada marijuana – a ponto de Carlinhos Lyra lembrá-lo pelo apelido Zé Maconha.

Talvez o vizinho de João Gilberto no Leblon não tenha lido o livro de Ruy e não saiba que ele parou com isso há 40 anos, o que explicaria o trecho abaixo da divertida (ainda que de um voyerismo algo perturbador) matéria publicada no iG ontem:

“Deve ter um mês mais ou menos que um morador foi até lá e bateu tanto que quase pôs a porta abaixo! O problema é a maconha. Parece que ele fuma e o cheiro entra pela janela da casa do rapaz. Aí os dois ficaram se xingando”, contou uma vizinha que preferiu não se identificar. O vizinho ameaçou chamar a polícia. Ao porteiro do prédio, João afirmou, através do interfone, que em sua casa faz o que quiser. E questionou: “E isso (fumar maconha) é crime?”. O porteiro preferiu não tomar partido e apenas comunicou a ameaça de que o vizinho iria telefonar para a polícia.

§Quando a lenda se tornar maior que a verdade, publique-se o mito – especialmente em se tratando de João Gilberto, tema de folclore há tanto tempo quanto de adoração. Agora… vai dizer que você não queria ouvir os sons criados pelos jovens Joões Gilberto e Donato de cuca fresca, 1954?


João pirata
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

João Gilberto nunca é suficiente. Adepto do menos é mais até na quantidade de discos e shows, sua produção é muito menor do que a demanda de ouvidos. Já que muito de sua arte vem da intensa depuração e reinterpretação, faz sentido a obsessão de fãs com as muitas gravações caseiras, bootlegs de show, áudios de especiais de TV e afins que circulam há anos e atingiram seu auge de circulação com a internet.

§Abaixo, cinco discos ao vivo nunca lançados de João que você encontra na rede.


REGISTROS NA CASA DE CHICO PEREIRA (1958)

Captado um ou dois anos antes das gravações do primeiro disco de João, na casa do fotógrafo Chico Pereira, é fascinante por mostrar sua música já pronta como a conhecemos hoje – e captar o espanto de sempre dos ouvintes.

_______________________________________________________________________________________________

UM ENCONTRO COM JOÃO GILBERTO, TOM JOBIM, VINICIUS DE MORAES & OS CARIOCAS (1962)

Famoso show de 1962 que reuniu João a Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas no Au Bon Gourmet para lançarem canções como “Garota de Ipanema”, “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da bênção”. Histórico há 40 anos.

_______________________________________________________________________________________________



A ARTE E O OFÍCIO DE CANTAR (1982)

Especial da TV Bandeirantes feito em 1982, já começava com barraco e trazia João cantando várias músicas inéditas em sua voz e participação de Ney Matogrosso. Enquanto não vira DVD você encontra o áudio completo em dezenas de torrents.

_______________________________________________________________________________________________

JOÃO GILBERTO EN MADRID (1985)

Gravado ao vivo na Espanha no mesmo ano do belo álbum “Ao Vivo em Montreux”, traz João em uma excelente hora de voz e violão.

_______________________________________________________________________________________________

JOÃO GILBERTO Y CAETANO VELOSO AO VIVO EN BUENOS AIRES (1999)

Apesar da “capa” inexplicável – coisas da internet -, o registro é de um ótimo show feito por João com Caetano Veloso (juntos e separados) e seu violões, em 1999, Buenos Aires.

_______________________________________________________________________________________________

Qual mais?
_______________________________________________________________________________________________


João pela primeira vez
Comentários Comente

Ronaldo Evangelista

Incrível como todo mundo da geração 60 se lembra exatamente de quando ouviu João Gilberto pela primeira vez. Não só eles: de antes e até hoje, o som de João é algo único, impactante de tão claro e definido em si mesmo. Desde a época em que era o último lançamento e você podia ouvir sua música no rádio ou nos ainda novos LPs de vinil e vitrolas até hoje, em que abundam relançamentos piratas (digamos, “extraoficiais”) em CD e vinil e mp3s de discos e shows pela rede, João continua soando moderno e atemporal. Você se lembra de quando ouviu a música de João Gilberto pela primeira vez? Caetano, Gal e Gil lembram.

Gilberto Gil, em depoimento a Zuza Homem de Mello, 1968: Em 1959 eu estava na Bahia e um dia ouvindo rádio, ouvi um disco do João Gilberto: fiquei assustado quando ouvi aquilo, parece que era “Morena Boca-de-Ouro”, ouvi aquilo cantado de uma maneira estranha, com um acompanhamento estranho e fiquei realmente chocado. Me lembro que era um dia em que eu voltava da aula, eram duas horas da tarde, tinha acabado de almoçar e tinha ligado a Rádio Bahia. Não sabia de nada que estava acontecendo no Rio e de repente ouvi aquela coisa. Fiquei sabendo que era o João Gilberto porque telefonei para a rádio perguntando o que era aquilo, quem estava cantando aquele troço, disseram que era o João, eu fui à loja de discos procurar, ainda não tinha chegado, mas quando chegou eu comprei, foi aquela paixão absoluta, momentânea e total pela coisa, foi uma paixão que me tomou durante todos aqueles anos subsequentes.

Caetano Veloso em “Verdade Tropical”, 1997: Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João Gilberto. Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio quem me mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por isso mesmo, ele julgara que me interessaria: “Caetano, você que gosta de coisas loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta totalmente desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai pro outro”. Ele exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava, possivelmente encorajado pelo título da canção “Desafinado” – uma pista falsa para primeiros ouvintes de uma composição que, com seus intervalos melódicos inusitados, exigia intérpretes afinadíssimos e terminava, na delicada ironia de suas palavras, pedindo tolerância para aqueles que não o eram. A bossa nova nos arrebatou. Em Santo Amaro nós cultuávamos João Gilberto em frente a um boteco modesto que chamávamos “bar de Bubu”, por causa do nome do preto gordo que era seu dono. Ele comprar o primeiro LP de João, Chega de Saudade – o disco inaugutal do movimento -, e tocava-o repetidas vezes. Primeiro, por ele próprio gostava , e, depois, porque saia que nós íamos ali para ouvi-lo.

Gal Costa em entrevista a Ronaldo Evangelista, 2010: Eu era uma menina e ouvia tudo que se tocava nas rádios. Eu ouvia Angela Maria, Dalva de Oliveira, ouvia Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro. Eu gostava das coisas legais, via todo mundo – Sarah, Ella, Betty Carter, Chet Baker, Frank Sinatra, Ray Charles, Louis Armstrong. Mas o dia em que ouvi João Gilberto cantando “Chega de saudade” foi um impacto profundo e uma atração imediata. Era uma coisa totalmente estranha e nova naquela época, mas eu abracei aquilo com paixão. Mudou a minha vida, ali eu reaprendi a cantar. Sou autodidata, sempre soube tudo de canto sem nunca ter ido escola. Respiração, diafragma, técnica vocal, divisão rítmica da poesia, da palavra cantada, respiração. Ouvia João muito atentamente, com muita paixão. E comecei a estudar emissão vocal em casa. No banheiro, com panela, com meu eco, reverberação, comecei a estudar, prestava atenção a tudo. João Gilberto é minha grande referência.
_________________________________________________________________________________________________

§As lembranças completas, mais Chico Buarque e Roberto Carlos, em matéria do UOL Música, por aqui.
_________________________________________________________________________________________________