Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : Dolores Duran

Vítima de nada
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Ronaldo Evangelista

Hoje, na Folha Ilustrada, texto meu sobre Filipe Catto e seu recém-lançado álbum de estreia, Fôlego, logo abaixo.

Aos 23, Filipe Catto estreia com intensidade de interpretação e sob inspiração de Elza

Quando entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum, Filipe Catto não quis cantar parado na frente do microfone, com fones no ouvido. Preferiu gravar na sala da técnica, com um microfone Shure SM58, típico de shows, vendo e ouvindo a banda dentro do estúdio e cantando e caminhando com movimentos livres, levando sua interpretação de palco para dentro do disco.

Não foi à tôa: com 23 anos e um registro vocal agudo – contratenor com timbre perfeito, próximo a uma voz feminina -, a intensidade de interpretação de Catto é sua maior qualidade. Chega ao disco de estreia, Fôlego, recém-lançado pela major Universal, já com música em novela (“Saga” toca em “Cordel Encantado”, trama das seis da Globo) e numerosos admiradores conquistados com a força de suas apresentações e um primeiro EP independente lançado em 2009.

Foi há pouco mais de ano que o cantor chegou de Porto Alegre para seu primeiro show por aqui, e por aqui ficou. “O disco surgiu a partir do palco, do público, a partir das minhas observações”, conta. “O que foi bacana nesse tempo desde que cheguei em São Paulo foi que pude absorver bastante coisa da minha geração. Na vivência e na experiência de poder cantar um repertório novo, de fazer parte de uma história que está rolando.”

Autor de oito das canções do disco, Catto pinça ainda composições de conterrâneos gaúchos como Nei Lisboa e as bandas Cachorro Grande e Apanhador Só, mas afirma que a seleção “não foi partidária”, e sim pela força das canções. Outras surpresas do repertório incluem uma antiga canção de Zé Ramalho e uma parceria de Arnaldo Antunes com o baixista Dadi, d’A Cor do Som – produtor de Fôlego ao lado do diretor artístico da gravadora, Paul Ralphes.

E “Garçon”, aquela, de Reginaldo Rossi. “Estava um dia em casa e do nada comecei a cantarolar essa música, como se ela tivesse baixado”, lembra. “E comecei a ver que ela era muito mais forte do que eu imaginava, passei a vê-la de uma forma diferente. A letra me remete a Maysa, Dolores Duran, uma coisa meio antiga. Na verdade ela é uma irmã gêmea de ‘Meu mundo caiu’.”

Maysa, grande referência. Elis Regina, ídolo máximo. Billie Holiday, inspiração para uma canção. Outra, dedicada a Amy Winehouse. Mas foi quando conheceu Elza Soares, diz Catto, que entendeu o verdadeiro sentido da palavra fôlego. “Ok, legal os nossos mortos trágicos, os que se foram e tiveram vida turbulenta. Mas ando admirando pessoas vivas, e que fazem música. Quero ser assim quando eu crescer.”

“Eu admiro muito a Elza Soares porque ela está viva”, diz. “Ela não é vítima de nada. Isso me alimenta como artista e como pessoa. Acho bonito que ela é destemida, tem uma força de viver, uma força de interpretação. É isso que eu busco no meu trabalho. Se jogar no mundo e fazer as coisas do jeito que elas são. Desencanar e bancar sua história.”


Billy Blanco (1924-2011)
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Ronaldo Evangelista

A Bossa Nova foi uma avalanche. A modernidade de Tom Jobim e o poder de criação de João Gilberto foram tão intensos que toda a música feita na primeira metade do século XX imediatamente ganhou ares de pré e quase todas as moderníssimas revoluções dos anos 50 se perderam no bolo entre a geração 78 rotações e a grande novidade do LP, popularizado no fim da década.

Falar a real não era exatamente comum nas eras de ultraromantismo chic ou derramado, deboches e regionalismos pop – basicamente o escopo do consumo geral. A crueza emotiva sem cortinas de Dolores Duran e a casualidade leve e jazzística de Johnny Alf, por exemplo, eram pequenas revoluções em si mesmo, que hoje em dia só não caem no balaio generalizante de precursores-da-bossa-nova aos ouvidos de um seleto clube de ouvintes mais direcionados (ou saudosistas).

Billy Blanco, falecido nesta sexta-feira aos 87 anos, tinha um senso de humor fora do comum. Não exatamente no sentido de rir da vida, rá-rá-rá, que havia também uma boa dose de existencialismo nos seus personagens e situações. Mas naquele sentido de ironia fina, observação ácida, presença de espírito, sarcasmo romântico. Pra que orgulho? O infarto lhe pega, doutor, e acaba essa banca. Parece simples, mas pensa bem: entre as músicas da época, a maioria não dizia nada.

Os elementos de casualidade, os tais precursores, visão um passo adiante, eram vários: suas melodias quase faladas, o samba balançado e cotidiano, a ingenuidade maliciosa, as crônicas de situação e insights da vida. “A banca do distinto”, composição sua de 1959, é uma obra-prima no desenrolar da letra:

a vaidade é assim, põe o bobo no alto e retira a escada
mas fica por perto esperando sentada
mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão

mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
todo mundo é igual quando o tombo termina
com a terra por cima e na horizontal

Sem prejudicar hoje o bom crioulo de amanhã, não acredite em tudo o que lê, confie no que ouve. O que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e medida. Três momentos favoritos de Billy Blanco, play abaixo.


Dolores Duran – A banca do distinto (1959)


Jorge Veiga – Estatutos de gafieira (1956)


Originais do Samba – Canto chorado (1969)


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