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Categoria : Nordeste Groove

Cavaleiro Selvagem Aqui Te Sigo
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Ronaldo Evangelista

O terceiro e ótimo álbum de Mariana Aydar, que está sendo lançado agora, é afromântrico. Entre a Salvador africana de Letieres Leite e Tiganá, canto pra natureza com Emicida, forró e carimbó de radinho entre Amelinha e Edson Duarte, com a guitarra de Gui Held e a grande beleza de Dominguinhos, encontra um resultado muito próprio, universo pop pessoal e passional. Sobre o disco, para Mariana, escrevi o que antigamente talvez se configurasse como texto de contracapa, apresentação hoje em dia comumente chamada de press release, ensaio abaixo.

MARIANA AYDAR
CAVALEIRO SELVAGEM AQUI TE SIGO

Uma produção Universal Music dirigida por Letieres Leite e Duani Martins.

O que te guia? Inspiração, medo ou vontade, sempre há o que nos move, sempre há o que nos surge para indicar caminhos ou possibilidades, como se por além de nós, essencialmente íntimo.

No caso de Mariana Aydar, guiada pela intuição, as vontades essenciais para seu terceiro disco eram várias, que surgiam e se somavam em realizações: gravar ao vivo, buscar origens e ao mesmo tempo olhar pra frente, aprofundar no lado rítmico afrobrasileiro, trazer pra perto uma certa tradição nordestina sem clichês, montar a melhor banda do mundo. O resultado, Cavaleiro Selvagem Aqui Te Sigo, é o que pode ser chamado seu álbum mais pessoal, amplo de ideias e bem realizado em sons.

Como acontece quando se encontram forças análogas e complementares, com suas próprias fundações e ricas em interpretações, a soma das partes revelou algo novo, único em si. O Cavaleiro Selvagem seguido já desde o título surge como uma imagem protetora através da metafórica floresta de emaranhados de universos concebidos.

Os pontos de apoio do disco – abrindo, fechando, no centro, pulsando – são as composições de Mariana, que despertaram sua busca e mostraram sua visão, unindo canções diferentes mas iguais, encontrando o diálogo entre Salvador e África, psicodelia e pop, revelando canções novas mesmo se antigas, um tanto de compositora e um tanto de intérprete, juntas. De Zé Ramalho a Thalma de Freitas, de fado a vanguarda paulistana, de Caetano em inglês às próprias composições misteriosas, seguindo o Cavaleiro e de pé no chão.

Letieres Leite, maestro, compositor e arranjador da muito especial Orkestra Rumpilezz, brilhante jazz afrobaiano de atabaques e sopros, se fez presente durante o processo de criação do disco como uma figura-mestre, afinal produtor do álbum, ao lado do parceiro de Mariana desde seu primeiro disco, o sensível e incansável baterista e multi-instrumentista Duani.

Com a banda-base já esquentando desde a série de shows ao vivo “1, 2, 3 Testando”, feita no fim de 2010 para afinar repertório e sonoridades, o álbum foi gravado de primeiros takes, todo mundo tocando junto, banda afiada e arranjos ricos de detalhes.

Além de Mariana brincando com as vozes e Letieres como guru musical, o som quente e cheio de dinâmicas e especiais vem de Guilherme Held nas personalíssimas guitarras, Robinho no baixo, Guilherme Ribeiro na sanfona e teclado mais o groove de bateria de Duani Martins, completados com o percussionista Gustavo Di Dalva, direto da Bahia para as gravações. Mariana, ocupando os espaços musicais com grandes inventividades e liberdades vocais, segurança de interpretação e visão clara do destino.

A Saga do Cavaleiro”, vinheta, clima e sugestão de abertura, já te coloca na viagem, dentro do percurso. Abrindo os caminhos na pegada, “Solitude” é parceria da cantora com as amigas Jwala e Luisa Maita, sem medo de amar nem de mar, a escolha de estar só mas bem acompanhado, guiado pelo cavaleiro que é você mesmo, solitude e não solidão. Como em “Não foi em vão”, composição de Thalma de Freitas gravada no disco da Orquestra Imperial, aqui transformada em jazz-samba com arranjo de madeiras e trompa, a interpretação de canto rasgado dando novos tons à canção sobre autonomia emocional.

Grande afirmação artística de Mariana e também dos compositores Dante Ozzetti e Luiz Tatit, “Passionais” segue a inspiração da cantora de encontrar grandes músicas para engrandecê-las um pouco mais. Desde que a cantava há dez anos, na turnê do disco Ultrapássaro, de Dante, Mariana vem cultivando intimidade com a canção. Grande composição, grande letra, grande interpretação da cantora – se não foi maior ou melhor, foi o maior e melhor que fizemos. É o preço de ser passional. (Mas não dói não.)

Surpreendendo e renovando sua própria tradição na vanguarda paulistana – seu pai é Mario Manga, do Premê -, Mariana atualiza o cult e desabrocha uma perfeita canção pop e, de certa maneira, também pratica o inverso, deixando levemente à vanguardaVai vadiar”, de Monarco e Ratinho, antigo sucesso de Zeca Pagodinho e já cantada por Mariana há anos em shows, recriado para além do samba. Também como na primeira gravação da cantora em inglês, “Nine out of ten”, já tido como o primeiro reggae brasileiro, gravado pelo autor Caetano Veloso em 1972. Por todo o álbum estilos não se definem e as barreiras aparecem criativa e naturalmente borradas entre levadas afro, pegada rock, carimbó e forró de radinho, axé music dos anos 90 e o que mais se ouvir nesse universo de ritmos poderosos.

Floresta” é o coração do disco, em muitos sentidos. Auge artístico, poética e inspiradora, com participação sublime da voz do cantor e compositor baiano Tiganá Santana, também parceiro de Mariana e Guilherme Held na composição. Logo depois de se dizer alive e viva, outro alerta para a vida, vamos preservar a flor. Com harmonização vocal, melodia levada no violoncelo e percussão passeando por timbres, a faixa traz charme de lado B de disco brasileiro dos anos 70 e um certo espírito à Milton Nascimento, clima de canção do sal, da terra, lembranças do álbum experimental/existencial Krishnanda, do percussionista Pedro Santos, 1968.

Talvez a maior ousadia no repertório – e certamente uma de suas grandes realizações -, é a recriação de “Galope rasante”, de Zé Ramalho, hit e pérola de Amelinha de 1979. Temperando o groove seco do sertão com flerte afrobeat e nova parte especial com riff vocal acentuando o lado rítmico, é Mariana moça e anciã.

O fado sem pátria “Porto”, torto, perdido no mundo, composição climática e inteligente de Romulo Fróes e Nuno Ramos, é oportunidade para Mariana mostrar interpretação entregue, lírica. De Lisboa a Salvador, da fronteira a São José do Rio Preto, um disco não sem lugar, mas ocupando seu próprio espaço.

A paixão que levou Mariana a criar o projeto de um documentário sobre Domiguinhos é musical, é a mesma que a leva a chamá-lo para uma lindíssima participação na sanfona no momento mais leve e delicado do disco, em “Preciso do teu sorriso”, de João Silva, sucesso do Trio Virgulino, reinventado aqui puro amor de partir o coração.

O hit de primeira audição “O homem da perna de pau”, de Edson Duarte, é clássico imediato e infalível do disco, misturando com senso de humor e beleza carimbó, brega, forró em um som totalmente contemporâneo, pra não dizer mesmo moderno. Mesmo lendo tudo isso, lhe asseguro, o som é uma surpresa de agrado geral.

Anunciada por naipe de metais, a canção “Cavaleiro selvagem” nasceu como um canto na cabeça de Mariana, que para desenvolvê-lo só pensou “o Emicida vai terminar essa parada” e foi na hora. Ligou, no mesmo dia se encontraram e o jovem rapper incorporou e compôs a segunda parte como se fosse a própria Mariana criando melodias. Ambos buscando o equilíbrio do Cavaleiro como um Deus geral, a natureza, a raiz, o elemento terra, o vento sereno trazendo o sol, uma figa levando todo o mal. O fato de que chovia durante as gravações do disco pode não trazer nenhum significado concreto, mas certamente conspirou com o clima.

O cavaleiro passa, perpassa, atravessa o álbum – da faixa de abertura aos galopes finais da última canção, “Vinheta da alegria”, também de Mariana – como se todas as coisas não acabassem, mas se renovassem constantemente voltando às suas origens. Ideia que se conecta com o conceito de fundamento das coisas da Ancestralidade, tão ligado aos padrões percussivos afrobaianos, que dão um espírito particularmente forte ao disco.

A Saga do Cavaleiro é sugerir e guiar, passar e inspirar. Mariana ouviu e criou seu disco mais artesanal, cheio de mistérios, afromântrico. Não tem manual, não é uma homenagem a tradições, cada um de nós tem seu próprio Cavaleiro Selvagem. É uma busca a algo maior pela música, pela expressão, pela soma. O caminho é pessoal a cada participante e ouvinte e se é universal é pelo ímpeto artístico. O coração sente e derrama vida. E fim.

Ronaldo Evangelista, agosto de 2011.


Pernambuco Psicodélico
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Ronaldo Evangelista

Paêbiru, de 75, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, e No Sub Reino dos Metazoários, de 73, de Marconi Notaro, estão entre os mais raros dos mais raros vinis de música brasileira procurados e negociados em sebos, pela internet etc.

Não à tôa. Já foram lançados originalmente com poucas cópias, e a maioria destas se perdeu.

Mais importante, são discos absolutamente únicos, globais, ultramodernos, grooves psicodélicos, gosto regional próprio. Toda a cena musical do nordeste nos anos 70 hoje em dia soa impossivelmente contemporânea – conceitual e musicalmente.

Flaviola e o Bando do Sol, de 74, é outro destes álbuns cult, lançado na época pelo pequeno selo Solar.

E nenhum segredo é o disco de estreia em dupla de Geraldo Azevedo e Alceu Valença, lançado pela Copacabana em 72, sabida maravilha.

Juntando faixas de todos estes álbuns, mais o obscuro conjunto The Gentlemen, artistas pernambucanos dos sertões à beira de Olinda-á, encontros de folk rock e agreste árabe, a coletânea Psychedelic Pernambuco acaba de sair em vinil duplo pela gravadora inglesa Mr Bongo.

No play, teaser das 19 faixas da compilação.

O universo do nordeste cool, a redescoberta do groove do norte. O Guardian e o Telegraph estão de olho.

Por aqui as pistas estão surgindo, daqui a pouco certamente em maior escala. O LP da Mr Bongo, só importado. Os discos originais, claro, fora de catálogo há tempos.


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