Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : Benito di Paula

O que vi, ouvi e aprendi no Conexão Vivo
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Ronaldo Evangelista

§ O festival Conexão Vivo existe há onze anos (antes era patrocinado pela Telemig Celular), nascido na cidade de Belo Horizonte e hoje por estados como Pará e Bahia, além de Minas Gerais. Entre os dias 11 e 14 de agosto de 2011 aconteceu a segunda edição em Salvador, praia da Pituba, praça Wilson Lins, espaço a céu aberto para 20 mil pessoas.

§ No primeiro dia, grande momento veio com Di Melo, que participou do show da banda mineira Black Sonora e cantou a toda clássicos de seu clássico LP de 1975, “Kilariô” e “A vida em seus métodos diz calma”. Aproveitou para avisar que estreou no festival de cinema de Garanhuns, e em breve nos cinemas, o documentário O Imorrível e já decretou: melhor é impodível.

§ O paraense Felipe Cordeiro participou como guitarrista de dois shows e como público de quase todos. Pelos camarins, contou que seu primeiro álbum Kitsch Pop Cult, produzido por André Abujamra, patrocínio do próprio Conexão Vivo, está sendo lançado este mês. Como se diz em Belém (me ensinou Felipe): pai d’égua.

§ Armandinho parece ser uma espécie de Lanny Gordin da guitarra baiana, tocando como nunca. Participou solando Santana no show de Gilvan de Oliveira e, com Dadi e Mú etc, reviveu o pop de sotaque prog ensolarado d’A Cor do Som, com participação de Pepeu Gomes.

§ Pepeu circulava vestindo preto nas roupas e longos cabelos, mas mais estilosa era sua filha de seis anos, que pelas noites de festival alternou calças de oncinha e de couro, lenços, botas e camisas coloridas, senso apurado de moda.

§ Bem doido – e interessante – o som da banda de Juarez Maciel, entre ska, jazz, salsa, xote, música cigana, pop, com sopros, teclado, violino e participação de Edgard Scandurra.

§ Não devia ser coincidência Marku Ribas estar descalço e vestido de branco no palco: foi ótimo seu som tranquilo mas na pegada, vozeirão sobre suingue de violão de nylon e baixo elétrico, bateria grooveada e naipe de sopros, repertório de seu último disco, 4 Loas.

§ No segundo dia de festival a chuva parou magicamente quando entraram no palco Marcia Castro recebendo Mariana Aydar, Mayra Andrade e Mariella Santiago, já no alto astral, altas transas, lindas canções, tirando a onda de interpretar de abertura “Os mais doces bárbaros”, planos muito bons de 1976 da brigada tropicalista.

§ Em seu primeiro disco, Marcia gravou de Tom Zé “Pecadinho”, que no show cantou com Mariana Aydar. Já o novo disco de Marcia, fiquei sabendo por lá, sai em breve e inclui outra versão de pérola escavada do compositor: “Você gosta?”, das melhores, lançada em compacto em 1969, derramado toda hora.

§ A caboverdeana Mayra Andrade hipnotizou geral com sua voz bem única, linda, rouca, cantando “Tunuka” (que foi hit com todo mundo cantando junto) e deliciosa versão de “Menina mulher da pele preta”, de Jorge Ben.

§ Mariana Aydar foi a artista que mais distribuiu autógrafos e pose para fotos depois do show. Mayra Andrade foi a que mais deu entrevistas a jornalistas, com fila de repórteres de gravador na mão. No último dia também apareceu com destaque o fã-clube do tecnológico e artesanal grupo Percussivo Mundo Novo.

§ Com seu tecnomelody eletrobrega evoluído, Gaby Amarantos fez show ligada no 220, cantando a toda sem deixar cair, repertório dançante, divertido, esperto, elétrico. Entre as músicas, “Como acontece a chuva”, composição de Thalma de Freitas e Iara Rennó para seu álbum. Por todo o show a paraense arranhou pouco a voz e concluiu sem cantar “Tô solteira”. Adeus, Beyoncé do Pará. Um disco e tanto deve vir por aí.

§ Aliás, Gaby Amarantos também revelou por lá o título de seu aguardado álbum: Treme. Produzido por Carlos Eduardo Miranda, juntando Waldo Squash da Gang do Eletro e Félix do La Pupuña, sai logo menos com patrocínio do Conexão Vivo e distribuição nacional.

§ A garoa fina parecia cenografia encomendada para o show de Lenine, maior nome do festival, que fechou a sexta-feira. Tranquilamente carismático, popstar sem esforço, embalou com seu violão e banda afiada hits cantados de peito aberto no palco e fora dele.

§ Um número de ativistas se juntou na frente dos palcos, antes de cada show, e puxou nos quaisquer momentos de silêncio coros de “Belo Monte, não!” Gaby Amarantos, quando chamaram sua atenção, apoiou: “É claro que Belo Monte não, eu sou da floresta!

§ Aproveitando uma pancada de chuva que espantou seguranças conferidores de pulseirinhas de seus postos, dois rapazes da turma de “Belo Monte, não!” ficaram pelo chiqueirinho de imprensa, até um deles tentar subir no palco e hastear bandeira. Lenine, em ritmo de paz e espírito apaziguador, acalmou os seguranças, tranquilizou os rapazes e voltou a cantar, do começo, acompanhado por todos, “Paciência“.

§ Falando nele, outra nova de trás do palco: está pronto, e para sair, o novo álbum de Lenine, Chão, a qualquer momento.

§ Durante o show de Alisson Menezes e a Catrupia, ainda no começo da noite de sábado, um boi-burrinha invadiu o público, que abriu a roda e se animou – como fez, aliás, com praticamente todos os ritmos e propostas que pintaram pelo evento.

§ Foi elogiado o duelo de MCs promovido pela Família de Rua na Estrada, de Belo Horizonte. Com um sistema de avaliação que misturava aplausos e dois juízes no palco, o vencedor do duelo foi o MC Shugs, de Salvador.

§ Criolo fez uma aparição em som, em certo momento rolando nas caixas “Não existe amor em SP”, discotecado por, ouvi falar mas não vi, BNegão.

§ Romulo Fróes, que participou do show de Manuela Rodrigues, cantou de seu último álbum a canção “Filho de Deus”, dedicada ao pai baiano, e foi aplaudido com calor. Ele só pensou tomara.

§ Foi curioso ver Paulo Miklos por lá, participando do show do Porcas Borboletas, a extrema urbanidade paulista de “Bichos escrotos” de alguma maneira fazendo sentido tocada por mineiros estranhos e entoada pela grande plateia baiana à beira mar.

§ Elza Soares entrou de cadeira de rodas e sentou-se um sofá branco para participar do show da gafieira Senta a Pua!, mas a operação na coluna que disse ter feito (“mas não na voz!”) não a impediu de esbanjar energia, jogar papinho pra cima do trompetista bonitão, cantar emocionantemente a capella e suingar como se tivesse 20 anos, o que parece ter de espírito, com sua voz rasgada e intensa como no auge. Foi um dos momentos mais aplaudidos de todas as noites.

§ Já o maior coro de todas as noites do festival aconteceu durante as músicas de Edson Gomes, participando do show de Celso Moretti (que se definiu como reggae-favela, enquanto estilingava poemas em papéis amassados ao público).

§ Wilson das Neves, Virgínia Rodrigues, Luiz Chagas, Gui Kastrup, Duani circulavam pela área dos camarins e produção e imprensa, com banquinha de acarajés e o quiosque da Jane Fonda baiana ao alcance do braço.

§ Ao lado do palco, à frente do mar, uma turma caminhava e pulava sobre uma corda bamba amarrada entre dois coqueiros. Talvez não fosse intencional, mas em vários momentos davam um novo ritmo à noite, como um balé surreal seguindo a trilha dos shows.

§ A lua surgiu grávida e ficou completamente cheia no domingo, flutuando como um balão fluorescente no céu de Salvador.

§ Outras críticas, reminiscências e relatos do Conexão Vivo: por Marcus Preto, por Pedro Alexandre Sanches, por Esperança Bessa, por Lauro Lisboa Garcia, por Guito & Fernanda Perez, por Amauri Gonzo e por Marcelo Costa.

§ Fotos do post do flickr do festival.


Celia 1971/1972
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Ronaldo Evangelista


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De hoje a domingo, no Sesc Vila Mariana, Celia se apresenta com a ocasião especial de comemorar 40 anos de carreira, completados em 2010 – em 2011, comemoramos 40 anos de sua primeira gravação.

Seus dois primeiros discos, de 1971 e 1972, há tempos que são altamente cultuados no meio de colecionismo de vinis e difusão pela internet. Agora, pela primeira vez, a qualquer momento chega às lojas de CD que ainda existem versão dois-em-um dos dois álbuns, pela Warner, dona do catálogo da Continental, que lançou os LPs originais.

História que se cruza com a de Celia é a do grande maestro Arthur Verocai, que, depois de trabalhar nos primeiros discos e hits de Ivan Lins e Celia, em 1972 gravou álbum absolutamente ímpar na história da música brasileira, cheio de ideias ousadas e sons revolucionários, hoje em dia discografia básica de produtores e rimadores de hip-hop por todo o planeta.

Aproveitando o momento do show e o relançamento de seus dois incríveis primeiros discos, conversei com a Celia sobre sua história, a gravação e o impressionante repertório dos primeiros LPs, sua relação com Verocai e os fãs que hoje formam fila para pedir seu autógrafo: os rappers de São Paulo.
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Como você chegou a primeira vez na Continental?

Foi tudo muito sem querer. Eu dava aula de violão, era a cantora que estuda música. Estudei muitos anos, fiz teoria, harmonia, composição, orquestração, aquelas coisas que se usavam. Quer dizer, usava também até a página 3, né? (risos) Eu estudava música, dava muita aula e cantava, mas não profissionalmente. Todo mundo achava o máximo, mas eu sempre fui muito crítica comigo.

Até que uma amiga, Elody, me apresentou um empresário chamado Waldomiro Saad e o Waldomiro me apresentou o maestro Pocho Perez, um mexicano que vivia aqui no Brasil e era diretor artístico da Continental. Ele me disse, “menina, por que você não grava um LP?” Eu disse, “eu gravo, como é que faz?” Então ele falou, “passa amanhã na avenida Sete de Abril” – a Continental era lá – “que eu já quero assinar um contrato com você”.

Na época o diretor da gravadora era o Rodrigues e não sabia de nada, quando chegou falou “quem é essa porra dessa Célia aqui?” O Pocho disse, “é uma moça assim e assim”. Chegou Agostinho do Santos e parece que desfiou um rosário de maravilhas sobre mim. Aí o diretor da gravadora disse, “já que vocês fizeram isso, agora dêem todas as condições pra ela”.

A Continental era uma gravadora sertaneja e estava querendo investir nessa coisa de MPB, então botou todas as fichas em mim. Consegui arranjadores maravilhosos, como o Rogério Duprat e o Arthur Verocai.

Os dois discos são cheios de músicas inéditas e muito modernas. Como vocês chegaram nesse repertório?

Fui fazer o meu primeiro LP com uma lista de compositores que começava com Antonio Carlos Jobim e terminava com Vinicius de Morais. E eu ali, a Célia de São Bernardo do Campo. Quem me ajudou, muito, foi a Joyce, que era amiga da Elody e fez a ponte com o pessoal todo. Se não fosse a Joyce na época seria a maior saia justa pra chegar até essas pessoas, pedir música, escolher repertório.

A Joyce mesmo me enchia de música, “Abrace Paul McCartney” é uma maravilha. Gravei também o Nelson Ângelo, que era marido dela na época. Gravei “Para Lennon e McCartney” antes do Milton. Também o Lô e o Márcio Borges, o pessoal de Minas era muito chegado. E Egberto Gismonti. Uma maravilha, foi uma época muito produtiva.

Do Ivan Lins sempre gravei coisas. Nessa época ele ainda nem compunha com o Vitor Martins – tanto que no meu segundo disco tem músicas do Vitor com Arthur Verocai. No primeiro gravei também “Adeus Batucada”. De repente, diziam “quem é essa garota que tá começando a cantar com 20, 21 anos e vindo com uma música de Carmen Miranda da década de 30?” Foi exatamente esse tipo de coisa que chamou atenção da imprensa na época.

O segundo tem inéditas do Erasmo, do Zé Rodrix, do Marcos Valle.

“Detalhes”, Roberto Carlos me deu. “A hora é essa” é inédita mesmo, do Erasmo e do Roberto. Eles faziam muita coisa inédita pra mim. Liguei pro Erasmo e pedi, ele fez “A hora é essa”, depois fez “Nasci numa manhã de carnaval”, que gravei em compacto. Eles mandavam em fitinha. (risos) Ou eu ia pra casa deles no Rio e a gente gravava em cassete, eu trazia pra casa e aprendia. Erasmo sempre foi uma pessoa muito querida, Roberto também, muito bonito.

O Zé Rodrix morava aqui em São Paulo, sempre morou. Ele me mandava um monte de músicas e eu escolhia, gravei “Vida de artista”. O Ivan também me mandava um monte e eu escolhia. “Dominus tecum”, do Marcos Valle, ele fez, eu gravei primeiro e ele gravou depois. E depois foi até um tema de novela. O Marcos tinha uma casa na Urca, maravilhosa.

Tom Jobim também, fui até a casa dele de gravador na mão. Em cima do piano dele tinha tralha que não acabava mais, ele dizia “ninguém mexe aqui na minha bagunça”. Fui à casa dele e no dia em que fui ele estava compondo “Águas de março”.

Uau. Uma característica que sinto da sua interpretação, além de deixar as coisas simples mais sofisticadas, é de deixar as coisas sofisticadas com uma casualidade poética, uma coisa cotidiana muito charmosa.

No segundo disco gravei Tom Jobim e um bolero do Armando Manzanera, coisa que ninguém fazia. Me perguntaram por que gravei esse bolero, eu falei “ah, porque eu quis, né?” Me perguntavam, “mas qual é a linha?” E eu, “linha?”

A crítica dizia que eu precisava ter uma linha, e eu mandei todo mundo à merda na época. Mandaria de novo hoje, quem foi que disse que eu tenho que seguir regras? Quem tem que ter linha é o Bergman, que é cineasta. Eu sou uma intérprete. A partir do momento em que misturo Benito di Paula com Antonio Carlos Jobim já perdeu a linha. Eu sou uma desalinhada. (risos)

O Verocai me contou que gravou o disco dele graças a você. Como você o conheceu?

Foi o Ivan que me apresentou o Verocai. Ele trabalhava com o Ivan, que um dia me disse “nossa, preciso te apresentar um maestro maravilhoso”. No meu primeiro disco o Verocai fez um ou dois arranjos, fez “No clarão da lua cheia”, do Ivan. Gostei tanto que no seguinte ele fez tudo, todos os arranjos do meu segundo disco.

Aí falei, “agora precisa fazer um LP instrumental na Continental”. Consegui pra ele fazer o LP dele, onde ele está sentado na capa. Como eu virei a rainha da Continental, virei um dia e falei: “Tem um maestro aqui que é maravilhoso e quer fazer um disco instrumental. Por favor lancem pra mim.” E a Continental dizia “pois não”. Ele fez com todas as cordas e pompa e circunstância que quis, não teve problema nenhum.

No meu segundo disco gravei do Veroca “Na boca do sol” e no disco dele participei cantando aquela música “Seriado“, que também cantei no show que ele fez no Sesc Pinheiros. No show ele falou, “minha carreira devo a essa moça aqui”. Eu disse, “sua carreira você deve a você”. E ele, “ah, mas se você não me empurrasse… música instrumental?”

Eu estava no show dele, foi lindo.

Quando fui fazer o show do Verocai, vários garotos chegaram com LPs meus na mão. Pensei, “é por causa do que eu fiz com o Verocai”, mas eles tinham os meus dois primeiros LPs! O Danilo Caymmi falou pra mim: “Que isso?! Isso é coisa de paulista, carioca não faz isso. Ninguém vai num show meu com um monte de LPs.” (risos)

Era uma fila de garotada, aí falei: “Olha, vou fazer uma pergunta, como é que vocês tem o meu disco?” O que eles me disseram é que todos os rappers tem os meus discos, inclusive fazem muito trabalho em cima deles. Fiquei extremamente feliz, foram mais de 50, 60 discos que eu autografei.

Vou fazer em setembro show no Sesc Pinheiros e vai ter uma noite que vou chamar rappers pra fazer comigo. Eles fazem parte da minha vida. Essas coisas novas, de primeira classe – como os rappers, cantoras como a Fabiana Cozza – a gente tem que prestar atenção, senão envelhece.
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Os dois LPs obra-primas que estão saindo compiladas em um CD, pela Warner:

CELIA (Continental, 1970)
Arranjos de Pocho Perez, José Briamonte, Rogério Duprat e Arthur Verocai

01 Blues (Capinan / Joyce)
02 No clarão da lua cheia (Ronaldo Monteiro / Ivan Lins)
03 Durango Kid (Toninho Horta / Fernando Brant)
04 David (Nelson Ângelo)
05 To be (Joyce)
06 Abrace Paul McCartney (Joyce)
07 Pelo teletipo (José Jorge / Ruy Maurity)
08 Adeus batucada (Sinval Silva)
09 Para Lennon e McCartney (Márcio Borges / Lô Borges / Fernando Brant)
10 Zózoio Como é que é (Nelson Ângelo)
11 Fotograma (Tibério Gaspar / Antônio Adolfo)

CELIA (Continental, 1972)
Arranjos e regência do maestro Arthur Verocai

01 A hora é essa (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
02 Toda quarta-feira depois do amor (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
03 Dominus tecum (Paulo Sergio Valle / Marcos Valle)
04 Ay Adelita (Piry Reis / João Carlos Pádua)
05 Vida de artista (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
06 Mia (Armando Manzanero)
07 Na boca do sol (Vitor Martins / Arthur Verocai)
08 Em família (Tom / Dal)
09 Detalhes (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
10 É preciso dizer adeus (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
11 Dez bilhões de neurônios (Zezinha Nogueira / Paulinho Nogueira)
12 Badalação (Bahia volume 2) (Nonato Buzar / Dito / Tom)
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