Blog do Ronaldo Evangelista

Categoria : João 80

O melhor de dois mundos
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Ronaldo Evangelista

Uma coisa absolutamente genial a respeito do disco Best of Two Worlds, reencontro de João Gilberto com Stan Getz em 1975, doze anos depois do sucesso gigante Getz/Gilberto, é que eles não foram fotografados juntos para a capa. Antes do fim das gravações, João tretou com Getz (não era a primeira vez) e partiu. A primeira faixa do LP, “Double rainbow”, nem tem João: Miúcha canta e Oscar Castro Neves toca o violão, reproduzindo a batida direitinho.

A solução: pegar um foto de João (talvez a única à mão) e fazer uma fotomontagem para a capa e outra para a contracapa – ambas com a mesma foto. Na frente, Getz está à frente de João, ao lado de Miúcha. No verso, aparece apoiado casualmente no brasileiro, que toca seu violão concentrado, de olhos semicerrados, estoicamente na mesma pose, exatamente igual a na capa, mesmo registro fotográfico. Mais ou menos como fez a Trip recentemente, rs.

Best of Both Worlds é um dos discos menos comentados e investigados de João, até porque é afinal um álbum de Getz. O recente box The Complete Columbia Album Collection, que compila álbuns de Getz entre 1972 e 1979, reedita o disco com novidade interessante: três faixas bônus, outtakes de “Just one of those things”, “Eu vim da Bahia” e “É preciso perdoar”. A caixa é produzida sob demanda de acordo com as vendas no site, sem presença física em lojas.


Apresentação de João Gilberto em São Paulo não está confirmada
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Ronaldo Evangelista

Segundo o Grupo Tom Brasil, que dirige as casas de espetáculos HSBC Brasil (em São Paulo) e Vivo Rio (no Rio de Janeiro), o show de João Gilberto em São Paulo, anunciado para o dia 3 de setembro, não está confirmado. Na programação do HSBC, no dia 3, há show com a dupla inglesa Swing Out Sister.

A assessoria de imprensa da casa informa que “o que foi publicado pelo Estado e republicado por outros veículos sem checagem não confere”. As apresentações de João em São Paulo e no Rio (especulada para o dia 10 de setembro) estão agendadas “para o segundo semestre” mas, segundo a assessora do Grupo, “ainda não confirmamos data, preço e nem início de vendas”.
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Na semana passada surgiu online página para venda de ingressos, dentro do site TicketBis, cobrando R$ 500 para garantir as entradas tanto no HSBC Brasil em SP quanto no Vivo Rio. Em resposta, a assessoria enviou comunicado informando ações contra a “modalidade criminosa”. Logo abaixo, você a página vendendo o ingresso e o comunicado oficial do Grupo Tom Brasil.

COMUNICADO
À imprensa, clientes e parceiros

O HSBC Brasil e o Vivo Rio, casas de espetáculos em São Paulo e no Rio de Janeiro respectivamente, por meio de sua direção, Grupo Tom Brasil, informa que as vendas de nossos espetáculos são realizadas oficial e exclusivamente em nossa bilheteria e pela Ingresso Rápido (www.ingressorapido.com.br).

A www.ticketbis.com.br está realizando inadvertidamente a venda de ingressos para nossos shows. Esta empresa não tem contrato e nem direito de autorização para vender os nossos tíquetes. Estamos entrando em contato com o Procon, a Fapesp, órgão que registra domínios e hospedagem de sites, operadoras de cartão de crédito e também a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) a fim de coibir tal prática e informar ao público para que se proteja de danos financeiros e morais advindos desta modalidade criminosa.

Certos de contar com a atenção de todos,
Antecipadamente agradecemos.

Grupo Tom Brasil
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Galvão bloga
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Ronaldo Evangelista

Se você já leu o raro livro Anos 70: Novos e Baianos, escrito por Luiz Galvão, pode ter uma ideia do que é a fluência do seu texto, oral e idiossincrático, pessoal e dono do próprio raciocínio – entremeando pensamentos, histórias, lembranças, causos, letras, filosofias, prosa & poesia.

Quase como uma continuação é o blog onde vem escrevendo há pouco mais de um ano, osnovosbaianos(.wordpress.com), passeando por momentos dos Novos Baianos, de Tom Zé, de Gil, de Baby e, bastante, de João Gilberto – conterrâneo de Galvão, de Juazeiro da Bahia.

§Que o Acabou Chorare existe como o conhecemos muito por causa de João Gilberto, você já sabia, por exemplo. Mas e que essa relação começa ainda antes de João gravar seu primeiro disco, em sua Juazeiro natal, quando João mostra ao jovem conterrâneo Galvão aquele seu novo som?

Galvão conta a história:

[…] Sempre o reverenciei, desde os primeiros dias com ele em 1959 quando o ilustre conterrâneo passou alguns dias em nossa cidade antes de acontecer no mundo Brasil e no exterior. Na ocasião mostrou-me as duas músicas Chega de Saudade e Bim Bom, que as lançaria em compacto. Fiquei extasiadoao ouvi-las, e ao retomar o fôlego percebi que a música mudou de antes para depois da batida e do jeito de cantar de João Gilberto, e dali pra frente tudo que eu faço, seja em poesia, música, teatro literatura, cinema ou futebol tem o dedo de João Gilberto.

Eu era colega de colégio e tinha como principal amigo o seu irmão Jovininho, mas passei a andar mais com o João, e foram noites de bossa na beira do rio São Francisco, com violão e canto do além maestro J.G. Comprei duas bicicletas e deixei uma com ele. Foram passeios e vida por mundos nunca dantes navegados.

João está acima de par e impar além de incomum, só o comparo a Einstein, Platão e outros grandes inventores, e para ilustrar essa afirmativa lembro alguns momentos com ele lá em Juá e no Rio de Janeiro: Mostrei para ele uns três poemas que nem existe porque se perderam naquele meu momento poético inicial, mas João consegui ver o meu potencial e disse-me que eu era poeta e convidou-me para ir com ele fazer música para a Bossa Nova, respondi que não iria em razão do meu plano de estudar Agronomia. Ele falou: “Você um dia vai fazer coisas no Rio e em São Paulo, porque você pensa e o mundo é de quem pensa”.

Passado alguns anos eu escrevi uma carta para João Gilberto dizendo-lhe que ia fazer o que ele disse , e viajei para a Cidade Maravilhosa, e o saldo foi a história Novos Baianos, escrita com arte vida, amor e futebol.

§O mesmo assunto é também foco de livro que Galvão prepara há anos e promete pra breve: João Gilberto, A Bossa: Mistérios da Música Revelados em Shows e Gravações.

§A imagem é pôster do show que Galvão apresenta hoje em Salvador, Teatro do Iderb: Poesia, a Língua de Deus e Minha.


João & o violão
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Ronaldo Evangelista

Desde o dia em que pediu dois microfones para gravar “Chega de Saudade” – um para a voz, outro para o violão -, João Gilberto sempre teve o máximo de capricho com seu instrumento para criar sua música. Conhecido por seu som acústico e orgânico, de presença cristalina, a peça é sempre uma especial, João com seus modelos favoritos de violão e cordas de nylon. Ontem a Ilustrada publicou edição especial dedicada a João Gilberto e colaborei com detalhes sobre o violão de João:

Um dia em São Paulo no começo dos anos 60, João foi levado pelo radialista Walter Silva à fábrica da marca Di Giorgio para ganhar um violão de presente. Demorou três horas pra escolher, mas guardou o violão por décadas.

João regularmente ganha instrumentos de fabricantes e luthiers variados e tem alguns violões diferentes em casa.

O modelo “titular” de João até hoje é o modelo Tarrega de boca ovalada da Di Diorgio – sonoridade buscada obsessivamente por estudantes e seguidores em modelos da mesma marca e da mesma época.

As cordas para violão favoritas de João são as de nylon da marca belga La Bella, modelo 850B, para violão clássico. Quando amigos próximos viajam ao exterior, já sabem: a corda importada é o presente favorito de João.

João até hoje não troca as cordas do violão, tarefa que sempre incumbe a alguém de confiança. Entre antigos “trocadores de corda” de João estão Luiz Bonfá, Almir Chediak e Raphael Rabello. Hoje em dia é seu empresário Otávio Terceiro.


Parabéns, João!
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Ronaldo Evangelista

Eu sei que deve ser chato esse monte de gente futucando, despejando, solicitando, ligando, falando de você o tempo inteiro bem nessa semana de comemoração interior, de ciclos e de longevidade, de balanço e de orgulho. Mas você deve bem saber que isso é apenas condizente e equivalente à estatura da sua criação para o mundo e à impressionante admiração que inspira. Tenho certeza que você percebe tudo como ondas de amor.

Fique tranquilo no seu apartamento com vista pro mar e de cortinas fechadas, converse com os amigos e peça sua comida por telefone, veja a luz do aparelho piscar enquanto ele toca sem som, fume o seu se ainda fumar, assista TV no mudo, medite e toque seu Tarrega de boca ovalada. Cante até não aguentar mais e aí cante mais um pouco. São momentos preciosos, dos quais espero que a senhorita Faissol esteja fazendo captações bacanas.

Oitenta anos é uma idade linda e é muito bonito termos você e sua música aqui conosco, presente sempre na possibilidade de um novo som, um novo show, um novo disco. A poesia do mundo aumenta ao saber que há maravilhosos sambas esquecidos que podem ressurgir a qualquer momento novos em folha em sua voz. Sei que lembrarei por toda vida do que foi vê-lo ao vivo todas as vezes quanto possível e ainda espero que sejam várias. Torço pela inverdade das recentes notas dando conta de uma “despedida” sua. Grandes artistas não se despedem, grande arte não precisa se despedir porque está sempre presente.

Seja como for, espero que sejam maravilhosos seus próximos shows em setembro, estarei lá. Se der pra não atrasar muito, seria legal. Mas não esquente muito se o pessoal ficar te apressando, a gente está tranquilo. Grandes homens são homens de concentração, que colocam toda sua mente em uma coisa por vez, não é o que dizia Paramahansa Yogananda? Como são lindos os iogues.

Em sua homenagem, nós aqui de fora do seu apartamento comemoramos lembrando todos os seus discos, somando todos os registros disponíveis e ouvindo algumas de suas músicas favoritas nas versões originais, só pra dar vontade de ouvir tudo de novo.

Fique bem e fique zen.

Abraço amoroso,
Ronaldo


Zé Maconha, mas pode chamar de João Gilberto
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Ronaldo Evangelista

Antes de gravar “Corcovado”, em 1960, João Gilberto fez uma sugestão ao compositor Tom Jobim, prontamente acatada: mudar as primeiras palavras da canção de “um cigarro, um violão” para “um cantinho, um violão”. Segundo Ruy Castro no livro Chega de Saudade, ali João já não fumava nada. É que, segundo a mesma fonte, João passou boa parte da década de 50, nos tempos pré-bossa nova em que frequentava com João Donato a boate do Hotel Plaza para ouvir Johnny Alf ao piano, sob a influência da então ainda não criminalizada marijuana – a ponto de Carlinhos Lyra lembrá-lo pelo apelido Zé Maconha.

Talvez o vizinho de João Gilberto no Leblon não tenha lido o livro de Ruy e não saiba que ele parou com isso há 40 anos, o que explicaria o trecho abaixo da divertida (ainda que de um voyerismo algo perturbador) matéria publicada no iG ontem:

“Deve ter um mês mais ou menos que um morador foi até lá e bateu tanto que quase pôs a porta abaixo! O problema é a maconha. Parece que ele fuma e o cheiro entra pela janela da casa do rapaz. Aí os dois ficaram se xingando”, contou uma vizinha que preferiu não se identificar. O vizinho ameaçou chamar a polícia. Ao porteiro do prédio, João afirmou, através do interfone, que em sua casa faz o que quiser. E questionou: “E isso (fumar maconha) é crime?”. O porteiro preferiu não tomar partido e apenas comunicou a ameaça de que o vizinho iria telefonar para a polícia.

§Quando a lenda se tornar maior que a verdade, publique-se o mito – especialmente em se tratando de João Gilberto, tema de folclore há tanto tempo quanto de adoração. Agora… vai dizer que você não queria ouvir os sons criados pelos jovens Joões Gilberto e Donato de cuca fresca, 1954?


João pirata
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto nunca é suficiente. Adepto do menos é mais até na quantidade de discos e shows, sua produção é muito menor do que a demanda de ouvidos. Já que muito de sua arte vem da intensa depuração e reinterpretação, faz sentido a obsessão de fãs com as muitas gravações caseiras, bootlegs de show, áudios de especiais de TV e afins que circulam há anos e atingiram seu auge de circulação com a internet.

§Abaixo, cinco discos ao vivo nunca lançados de João que você encontra na rede.


REGISTROS NA CASA DE CHICO PEREIRA (1958)

Captado um ou dois anos antes das gravações do primeiro disco de João, na casa do fotógrafo Chico Pereira, é fascinante por mostrar sua música já pronta como a conhecemos hoje – e captar o espanto de sempre dos ouvintes.

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UM ENCONTRO COM JOÃO GILBERTO, TOM JOBIM, VINICIUS DE MORAES & OS CARIOCAS (1962)

Famoso show de 1962 que reuniu João a Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas no Au Bon Gourmet para lançarem canções como “Garota de Ipanema”, “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da bênção”. Histórico há 40 anos.

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A ARTE E O OFÍCIO DE CANTAR (1982)

Especial da TV Bandeirantes feito em 1982, já começava com barraco e trazia João cantando várias músicas inéditas em sua voz e participação de Ney Matogrosso. Enquanto não vira DVD você encontra o áudio completo em dezenas de torrents.

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JOÃO GILBERTO EN MADRID (1985)

Gravado ao vivo na Espanha no mesmo ano do belo álbum “Ao Vivo em Montreux”, traz João em uma excelente hora de voz e violão.

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JOÃO GILBERTO Y CAETANO VELOSO AO VIVO EN BUENOS AIRES (1999)

Apesar da “capa” inexplicável – coisas da internet -, o registro é de um ótimo show feito por João com Caetano Veloso (juntos e separados) e seu violões, em 1999, Buenos Aires.

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Qual mais?
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João pela primeira vez
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Ronaldo Evangelista

Incrível como todo mundo da geração 60 se lembra exatamente de quando ouviu João Gilberto pela primeira vez. Não só eles: de antes e até hoje, o som de João é algo único, impactante de tão claro e definido em si mesmo. Desde a época em que era o último lançamento e você podia ouvir sua música no rádio ou nos ainda novos LPs de vinil e vitrolas até hoje, em que abundam relançamentos piratas (digamos, “extraoficiais”) em CD e vinil e mp3s de discos e shows pela rede, João continua soando moderno e atemporal. Você se lembra de quando ouviu a música de João Gilberto pela primeira vez? Caetano, Gal e Gil lembram.

Gilberto Gil, em depoimento a Zuza Homem de Mello, 1968: Em 1959 eu estava na Bahia e um dia ouvindo rádio, ouvi um disco do João Gilberto: fiquei assustado quando ouvi aquilo, parece que era “Morena Boca-de-Ouro”, ouvi aquilo cantado de uma maneira estranha, com um acompanhamento estranho e fiquei realmente chocado. Me lembro que era um dia em que eu voltava da aula, eram duas horas da tarde, tinha acabado de almoçar e tinha ligado a Rádio Bahia. Não sabia de nada que estava acontecendo no Rio e de repente ouvi aquela coisa. Fiquei sabendo que era o João Gilberto porque telefonei para a rádio perguntando o que era aquilo, quem estava cantando aquele troço, disseram que era o João, eu fui à loja de discos procurar, ainda não tinha chegado, mas quando chegou eu comprei, foi aquela paixão absoluta, momentânea e total pela coisa, foi uma paixão que me tomou durante todos aqueles anos subsequentes.

Caetano Veloso em “Verdade Tropical”, 1997: Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João Gilberto. Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio quem me mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por isso mesmo, ele julgara que me interessaria: “Caetano, você que gosta de coisas loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta totalmente desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai pro outro”. Ele exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava, possivelmente encorajado pelo título da canção “Desafinado” – uma pista falsa para primeiros ouvintes de uma composição que, com seus intervalos melódicos inusitados, exigia intérpretes afinadíssimos e terminava, na delicada ironia de suas palavras, pedindo tolerância para aqueles que não o eram. A bossa nova nos arrebatou. Em Santo Amaro nós cultuávamos João Gilberto em frente a um boteco modesto que chamávamos “bar de Bubu”, por causa do nome do preto gordo que era seu dono. Ele comprar o primeiro LP de João, Chega de Saudade – o disco inaugutal do movimento -, e tocava-o repetidas vezes. Primeiro, por ele próprio gostava , e, depois, porque saia que nós íamos ali para ouvi-lo.

Gal Costa em entrevista a Ronaldo Evangelista, 2010: Eu era uma menina e ouvia tudo que se tocava nas rádios. Eu ouvia Angela Maria, Dalva de Oliveira, ouvia Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro. Eu gostava das coisas legais, via todo mundo – Sarah, Ella, Betty Carter, Chet Baker, Frank Sinatra, Ray Charles, Louis Armstrong. Mas o dia em que ouvi João Gilberto cantando “Chega de saudade” foi um impacto profundo e uma atração imediata. Era uma coisa totalmente estranha e nova naquela época, mas eu abracei aquilo com paixão. Mudou a minha vida, ali eu reaprendi a cantar. Sou autodidata, sempre soube tudo de canto sem nunca ter ido escola. Respiração, diafragma, técnica vocal, divisão rítmica da poesia, da palavra cantada, respiração. Ouvia João muito atentamente, com muita paixão. E comecei a estudar emissão vocal em casa. No banheiro, com panela, com meu eco, reverberação, comecei a estudar, prestava atenção a tudo. João Gilberto é minha grande referência.
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§As lembranças completas, mais Chico Buarque e Roberto Carlos, em matéria do UOL Música, por aqui.
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João Gilberto ao vivo em setembro
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto completa 80 anos nessa sexta (dia 10) e o plano é não deixar a data passar em branco. O mais importante foi dito hoje: João vai fazer seu primeiro show em São Paulo desde 2008, quando tocou no Auditório Ibirapuera. A apresentação será no dia 3 de setembro, no HSBC Brasil. Uma semana depois, no dia 10, João toca no Vivo Rio, Rio de Janeiro. Diz-se que podem ser as apresentações de despedida de João dos palcos e o plano é transmitir os shows para salas de cinema pelo mundo, com direção do fotógrafo Walter Carvalho. Os ingressos vão custar por volta de R$100 e começam a ser vendidos em agosto.


zen baiano
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Ronaldo Evangelista

João Gilberto um dia chegou direto dos Estados Unidos para Salvador, pegou um táxi e foi até a casa de um conhecido. Quando seu amigo veio à porta, João pediu-lhe: “Me leva até Juazeiro?” O conhecido, ainda meio acordando, não entendeu: “Como? Juazeiro?” “Não, não, deixe que eu vou de táxi”, interrompeu João, ternura e feitiço. “É que conversando com você a viagem seria mais agradável”. O rapaz não resistiu: “Espere que eu vou vestir uma roupa”. João: “Vamos assim mesmo, não precisa levar mala.”

Pegaram a estrada e foram encontrar a família de João, verdadeira festa. Todos atônitos com a presença de Joãozinho ali de surpresa. Abraçando sua mãe, pede: “Mamãe, a senhora tem aquele cafezinho que só existe aqui em casa?” Ela mandou vir o café e eles tomaram. João deu mais um abraço apertado na mãe e despediu-se: “O cafezinho foi demais, outro dia venho para outro”. Chamou o amigo, entraram no carro, rumaram para o aeroporto da capital e voltou para os States.

A deliciosa história de João vir da América da Norte para tomar um cafezinho com sua mãe foi contada por Luiz Galvão, dos Novos Baianos, e é apenas uma do enorme anedotário que envolve João Gilberto. O folclore sempre nasce da admiração máxima e a arte de João conquista admiradores como mantras zen.

O jornalista paranaense Aramis Millarch [1943-1992] lembrou de história sobre quando Elba Ramalho ligou a João e conversaram longamente, até ele convidá-la a uma visita. Antes de desligarem, João fez um pedido. “Elbinha, me faça um favor: traga um baralho, destes incrementados, com desenhos diferentes”.

Aramis continua:

Radiante, Elba percorreu meio Rio de Janeiro até encontrar um baralho que julgava fosse o desejado por João. Eufórica, foi ao apart-hotel, subiu ao apartamento e apertou a campainha. Uma, duas, três vezes. Finalmente, a porta se entreabriu e João perguntou: – “É você, Elbinha? Trouxe o baralho?” Elba respondeu que sim. João pediu então para ela passar o baralho. Embora estranhando, ela lhe deu o baralho. A porta se fechou e Elba ficou – ao menos aquela vez – sem ver seu ídolo.

Em cena do documentário Pedrinha de Aruanda, de Andrucha Waddington, Maria Bethânia conta outra famosa de João: ele dirige de ouvido. As lendas contam sobre vários cruzamentos furados em pleno farol vermelho e de repente uma parada brusca em um verde – para um carro cruzar a toda. Ouvido perfeito.

Outro mito recente se criou em torno da persona online de João, presente (ou não) no Facebook. É ele? Não é ele? Impostores profissionais e tão obsessivos quanto a vítima de impostura? Jacques Morelenbaum e Daniel Jobim tem certeza que é ele. Danilo Caymmi Também. Miúcha, ex-mulher, não tem certeza. Já o empresário de João, Otávio Terceiro, quer mandar prender o farsante. Mais da novela nessa matéria da Folha e nessa d’O Globo.

João, provavelmente, segue alheio a tudo fora do universo de sua música, exilado dentro de sua arte e suas idiossincrasias. Quem analisa a relação entre a concentração constante de João Gilberto e seu isolamento radical e decorrentes mitos é Nelson Motta, trecho abaixo editado de uma fala sua no Roda Viva:

Essa vida monástica que o João vive, eu já comparei ele a um mestre zen. Você atinge um equilíbrio, uma serenidade, uma ausência de dor, uma ausência do medo, de dúvida – por muitas maneiras: arranjando flor, em várias artes zen. E o João desenvolveu isso, essa arte, essa meditação zen.

Quando ele está em casa cantando a mesma música, são mantras de quatro minutos que ele canta, canta, canta, canta. E, quando você está cantando, é o mesmo princípio da meditação: se, em algum momento sua cabeça voar um pouquinho, se você pensar “não, mas aquela garota…”, você erra. Então, isso vai até o fim da música.

Se você errar tem que começar tudo de novo. Enquanto você está concentrado naquilo, você não está pensando em você, você não está pensando no mundo, você não está pensando em dinheiro, você não está pensando em ambição. Acho que o João tem muito essa coisa. Ele vive lá no Himalaia dele, no Leblon, naquele trigésimo andar, vendo o Rio todo, ele é zen baiano.

§Na busca de João pelo som perfeito, elemento-chave é a economia, a sutileza, a clareza de mensagem, a riqueza pela ausência de elementos, o menos-é-mais. Na vida – e na construção de seu próprio mito, humano – não pode ser diferente.
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