Blog do Ronaldo Evangelista

Arquivo : junho 2011

Clipe novo do Emicida: Então Toma
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Ronaldo Evangelista

Talvez a coisa mais interessante de Emicida, além de sua expressão como rapper, é a maneira natural com que lista imagens, junta referências, amontoa parcerias, aglutina conceitos, apresenta seu trampo. Em seu clipe novo, lançado esta tarde de quinta, “Então Toma” (da mixtape Emicídio, do ano passado), tira onda máster de terno e gravata e atuação, participação de Criolo e aparições de Zeca Baleiro, NX Zero e Renato Teixeira. Com direção do mesmo Fred Ouro Preto que fez o muito ótimo “Triunfo“, mil leituras da cidade, das ideias, do mundo hoje, dos destinos possíveis e do rap no Brasil nos nossos tempos. E fica a dica: não é de bom tom ter uma pessoa amarrada na sala de casa.


uma forma antropofágica de relação com a cultura
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Ronaldo Evangelista

Em agosto de 1968, Caetano e Gil integravam um espetáculo da empresa têxtil Rhodia e planejavam como injetar mais Tropicália no zeitgeist da música brasileira. Um dos grandes projetos era o especial de TV Vida Paixão e Banana do Tropicalismo, escrito por Torquato Neto e José Carlos Capinan para a Rede Globo, com grandioso elenco e anarquias a granel.

Nunca foi o planejado (a Rhodia quis mexer, depois não quis patrocinar, depois a Globo adiou várias vezes a exibição), mas na noite de 23 de agosto de 1968, foi registrado o piloto, na gafieira Som de Cristal, na rua Rêgo Freitas, centro de São Paulo. Detalhe muito simbólico é que Vicente Celestino, que passou a tarde no estúdio ensaiando para sua participação, morreu à noite, logo antes de começarem a gravação – primeira vítima fatal da Tropicália.

O que finalmente foi ao ar, no dia 27 de setembro, levou o nome de Direito de Nascer e Morrer do Tropicalismo, hoje só na memória de quem assistiu ou estava presente. Pra posteridade, logo abaixo, as 14 páginas do roteiro original de Torquato e Capinan, com aparições de Chacrinha, Aracy de Almeida, Linda e Dircinha Batista, Nara Leão, Tom Zé, Gal Costa, Grande Otelo, Os Mutantes, Rogério Duprat, Jorge Ben e Dalva de Oliveira – todos presentes na gravação em carne e osso.








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Roteiro via.
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Música em quadrinhos
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uol


Com narrativa inspirada em histórias em quadrinhos, Arrigo Barnabé chegou 1979 com umas ideias bem doudas no I Festival Universitário da Música Brasileira: música de vanguarda colorida e tropical, progressista e debochada, caótica e ordenada, negativo da fotografia do groove, pós-Duprat e pós-Stockhausen, o estranhamento como casualidade. “Infortúnio” e “Diversões eletrônicas” (inspirada tortamente em Orestes Barbosa) – de “Já ganhou!” a “Fora!”.

Uma galera no palco para um acontecimento (não só) musical, incluindo Itamar Assumpção no baixo, Bocato no trombone, Paulinho Barnabé (irmão de Arrigo e depois fundador da Patife Band) na bateria, Klaus Petersen (do Premê) e Suzana Salles (hoje com Tom Zé) nas vozes, entre um monte de gente. “O que me influencia mais que música é quadrinhos”, diz Arrigo, citando Will Eisner, Robert Crumb, Homem-Aranha e Luiz Gê. Ou seja: uma coisa “plástica, com muito ritmo”.
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Aproveitamento máximo da sua atenção é uma raridade no rádio, daí o alta recomendação ao ótimo programa Supertônica, de Arrigo, no ar há anos, escondido na programação da Cultura Brasil. Sempre excelente de ouvir do começo ao fim, inteligente, com edição brilhante e silêncios valorizados, pelo arquivo dá pra encontrar conversas com Laerte, Tom Zé, Egberto Gismonti, Marlui Miranda, Céu, Bruno Morais, Leo Cavalcanti, Zé do Caixão.
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Terruá Pará II
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Ronaldo Evangelista

De Pinduca a Gaby Amarantos, passando pela guitarrada de Pio Lobato, o eletromelody da Gang do Eletro, o carimbó chamegado de Dona Onete e a new wave brega de Felipe Cordeiro, a linha evolutiva da música do Pará mistura ao mesmo tempo no mesmo espaço tradição e modernidade, novo e velho, todos os estilos.

O Terruá Pará, apresentação coletiva de dezenas de artistas do estado, que teve primeira edição em 2006 e agora chega à segunda, é pop amazônico em todas as suas possibilidades, todo um universo se revelando.

Hoje na Folha tem texto meu sobre o assunto, leia aqui, e o Terruá acontece hoje e amanhã no Auditório Ibirapuera, informações aqui.


Fela Kuti & Carlos Moore
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Ronaldo Evangelista

Fela Kuti era uma força da natureza. O músico e ativista nigeriano, presente no planeta entre os anos de 1938 e 1997, lançou mais de 70 discos, lutou contra o governo, teve 27 esposas (ao mesmo tempo), fundou sua própria república e influenciou o mundo com seu próprio gênero musical inventado, o afrobeat.

Carlos Moore, cientista político e etnólogo, cubano exilado, com Fela conviveu nos anos 70 e em 1981 escreveu a única biografia autorizada do músico, Fela – Esta Vida Puta, que sai agora pela primeira vez em português, com prefácio de Gilberto Gil.

Para marcar, neste sábado acontece evento de lançamento com presença de Moore, filme do Fela, DJs e apresentação da banda Bixiga 70, na Matilha Cultural, São Paulo. Informações aqui.

E hoje, no UOL Música, matéria que escrevi contando essa história inteira, Carlos falando do afrobeat e pequenas observações minhas sobre a música de Fela na de Gil, Céu, Criolo, Marisa Monte e Bixiga 70.

Leia AQUI.
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Marcos Valle – The Lost Sessions (1966)
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Ronaldo Evangelista

Os dois primeiros discos de Marcos Valle são praticamente coletâneas de hits da fase inicial do compositor, além de amostras grandiosas do talento para arranjos de Eumir Deodato, antes de ambos partirem para os Estados Unidos – Deodato para morar definitivamente.

Seu terceiro álbum, que começou a ser gravado em 1966, seguiria o mesmo caminho, com o lançamento de canções como “Os grilos”, “Batucada surgiu” e “É preciso cantar”. Acontece que nunca houve: “Samba de verão”, do segundo LP de MV, de 65, estourou como “Summer samba” nos Estados Unidos (onde estavam Tom Jobim e Sergio Mendes) e os planos mudaram.

Para os States, no Rio, fez um disco instrumental, Braziliance, com arranjos de Deodato, e já novas versões de “Batucada”, “Os grilos” e algumas do segundo álbum. Na sequência, já gravando em Nova York (mas ainda com Deodato), para a gravadora Verve, fez “Samba ’68“, cantando novas versões em inglês de canções de seu segundo disco, algumas novas e “Grilos”, “Batucada” e “É preciso cantar” – a essa altura, naquelas primeiras gravações já compiladas no Brasil em um compacto duplo.

Depois da fase América, as ideias eram outras e o que nasceu em 1968 já foi o disco Viola Enluarada, indo além das bossas de até então. As onze faixas gravadas em 1966 no estúdio da Odeon, no Rio de Janeiro, lá ficaram.

Algumas canções já regravadas pelo autor, algumas regravadas por outros, uma inédita até hoje (e sem letra), tudo com violão e piano de Marcos Valle, Dom Salvador ao piano em algumas músicas, e MV, Geraldo Vespar e Deodato nos arranjos.

Três delas com vozes, prontas (as que saíram no compacto). As outras, com as imponentes orquestrações já registradas, aguardando finalização, inéditas para quaisquer ouvidos em toda sua eloquência, masters perdidos em uma caixa em uma estante.

Até caírem na mão de Charles Gavin, que produzia box sobre Marcos Valle. Como já havia sido feito excelentemente no box sobre Simonal (outro que tinha Deodato como arranjador pela mesma época), os discos já traziam como bônus versões sem voz, com as orquestrações em primeira plano. Daí a todo um disco inédito como graça extra, chegamos a The Lost Sessions. Discógrafos do Marcos Valle (e do Deodato), atualizem-se.

Em grande efeito, um disco perdido de samba-jazz, muito de Eumir Deodato sobre composições de Marcos Valle, com participação de luxo do autor na voz em três faixas. Só imagine: estamos falando de Deodato em 1966, em um momento entre os dois primeiros discos de Marcos Valle (de 64/65) e os dois americanos (de 66/67), todos com seus arranjos. (Ouça, por exemplo, “Vem”, do álbum O Compositor e o Cantor e pense nas possibilidades.)
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The Lost Sessions sai como CD bônus da caixa Tudo, que reúne os discos feitos por Marcos Valle na Odeon entre 1963 e 1974, a ser lançada pela EMI em julho.
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MARCOS VALLE – THE LOST SESSIONS (2011)

01. Os grilos (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
02. Uma lágrima (Marcos Valle)
03. Lá eu não vou (Marcos Valle / Marcos Vasconcellos)
04. Batucada surgiu (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
05. Primeira solidão (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
06. O amor é chama (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
07. É preciso cantar (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle) *vocal
08. Pensa (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
09. Mais vale uma canção (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
10. Lenda (Marcos Valle / Luiz Fernando Lula Freire)
11. Se você pudesse (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)

12. Os grilos *instrumental
13. Batucada surgiu *instrumental

Gravado nos estúdios da Odeon, Rio de Janeiro, 1966

Marcos Valle: voz nas faixas 1, 4 e 7, piano e violão
Dom Salvador: piano

Arranjos e orquestrações:
Eumir Deodato, Geraldo Vespar e Marcos Valle
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pop-eye
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Ronaldo Evangelista

Panorama da semana e além, compêndio de leituras, atrações pra sua hora extra, drops e pronto.
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§Um disco inteiro inédito, chamado de The Lost Sessions, gravado em 1966 para o que seria seu terceiro disco, é bônus do box prometido há uns dez anos e que parece que agora finalmente sai, de Marcos Valle, pela EMI, juntando seus discos lançados pela Odeon entre 63 e 74.
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§Mallu Magalhães, comentarista de moda.
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§Afrosambas e batuques paulistas, de Mário de Andrade a Metá-Metá, no sempre ótimo programa Veredas, de Julio de Paula.
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§Marcelo Camelo foi ao programa Ronca Ronca, de MauVal, na OiFm, e levou o Hurtmold para uma sessão ao vivo. No blog La Cumbuca, download do áudio das treze faixas.
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§Mia Doi Todd comenta para Guilherme Werneck a versão que fez para o Red Hot + Rio 2 de “Um girassol da cor do seu cabelo” (de Lô Borges):

Fizemos uma versão muito diferente do original. Om’Mas Keith [do Sa-Ra Creative Partners], um dos meus produtores favoritos de hip hop, produziu, com Thundercat, um baixista novo fantástico, que toca com Erikah Badu. Eles não conheciam bem a música e a tiraram do contexto, o que é fantástico. Fizeram algo muito diferente do original, Eu canto a melodia e toco os acordes, basicamente, mas é muito diferente, mais rápido, quase disco. Não é disco, mas é bem upbeat.
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§Ed Motta fez a linha desculpas públicas na Caras pelas “declarações fortes na internet” e ainda aproveitou pra mostrar o bom gosto nos vinhos e vinis.
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§O Grêmio Recreativo MTV de Arnaldo Antunes é filmado nesta segunda e terça em edição carioca, no Teatro Rival, com Kassin, Domenico, Moreno, Davi Moraes, Adriana Calcanhotto, Jorge Mautner e Marisa Monte.

§Aqui, você pode ver Arnaldo cantando “A ordem das árvores” de e com Tulipa, na edição mais recente do programa.
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§David Byrne também curte a Tulipa. E Cidadão Instigado e Céu e Tiê e Fino Coletivo e Lenine. São os que ele citou ter ouvido e gostado, em conversa à propos de sua breve vinda para a Flip, na Folha.

§Tulipa, aliás, está dizendo que faz disco novo em 2012.
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§E essa semana a Nação Zumbi começa a gravar seu disco novo.

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Chico, 2011
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Ronaldo Evangelista

Com o tempo a voz de Chico Buarque ganhou um gosto de tempo, um certo gasto que pode ser lido como fragilidade, mas é mais uma força de aproximar-se da naturalidade de experiência de vida de seus personagens. Em todo um ar de deboche francês, também apurado parece o senso de humor. Claro, timidez etc. Mas não vá dizer que não tem um gosto pelo sarro em todo Chico. Sem a malícia os olhos verdes não seriam os mesmos.

Sua feitura de letras segue uma transição de buscas por achados poéticos virtuosisticamente simples para um gosto mais de crônica musicada, em busca da fluência casual – daí o gosto por valsas e blues, que o compositor diz serem elementos presentes em seu novo disco, chamado puramente Chico, em existência física a partir de 22 de julho, pela gravadora Biscoito Fino.

Justamente neste domingo Chico completou 67 anos, feliz aniversário, e se vejo comumente seu som recente – leia-se Carioca, 2006 – ser chamado de careta (muito pelas características típicas de há tanto tempo, elementos como bateria ultramicrofonada, solo de sax, teclados, baixo de cinco cordas), a questão é mais que Chico segue um exercício de compilar composições recentes a cada número de anos e gravá-las e lançá-las, o que é mais do que se pode dizer de muitos e é suficiente por si só. E especialmente para um artista com frequente público interessado, como o é Chico.

Mil pessoas, até às 19h, segundo a assessoria da Biscoito Fino, ouviram nessa segunda a primeira música do que antes se chamava “de trabalho”, o primeiro single ou, no caso, o primeiro mp3, “Querido Diário”, em esquema de pré-compra do álbum e senha para o áudio da primeira faixa, exclusiva. A intimidade com a internet segue até o lançamento do CD no mundo real, com vídeos (feitos pelo carioca Bruno Natal) de momentos dos bastidores da gravação, com projeto e site chamados, bem, Bastidores. Pra seguir diariamente, por aqui.

§A foto é do URBe.
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Uma música do novo Chico é “Se eu soubesse”, dueto também recentemente no disco de Thaís Gulin.


Galvão bloga
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Ronaldo Evangelista

Se você já leu o raro livro Anos 70: Novos e Baianos, escrito por Luiz Galvão, pode ter uma ideia do que é a fluência do seu texto, oral e idiossincrático, pessoal e dono do próprio raciocínio – entremeando pensamentos, histórias, lembranças, causos, letras, filosofias, prosa & poesia.

Quase como uma continuação é o blog onde vem escrevendo há pouco mais de um ano, osnovosbaianos(.wordpress.com), passeando por momentos dos Novos Baianos, de Tom Zé, de Gil, de Baby e, bastante, de João Gilberto – conterrâneo de Galvão, de Juazeiro da Bahia.

§Que o Acabou Chorare existe como o conhecemos muito por causa de João Gilberto, você já sabia, por exemplo. Mas e que essa relação começa ainda antes de João gravar seu primeiro disco, em sua Juazeiro natal, quando João mostra ao jovem conterrâneo Galvão aquele seu novo som?

Galvão conta a história:

[…] Sempre o reverenciei, desde os primeiros dias com ele em 1959 quando o ilustre conterrâneo passou alguns dias em nossa cidade antes de acontecer no mundo Brasil e no exterior. Na ocasião mostrou-me as duas músicas Chega de Saudade e Bim Bom, que as lançaria em compacto. Fiquei extasiadoao ouvi-las, e ao retomar o fôlego percebi que a música mudou de antes para depois da batida e do jeito de cantar de João Gilberto, e dali pra frente tudo que eu faço, seja em poesia, música, teatro literatura, cinema ou futebol tem o dedo de João Gilberto.

Eu era colega de colégio e tinha como principal amigo o seu irmão Jovininho, mas passei a andar mais com o João, e foram noites de bossa na beira do rio São Francisco, com violão e canto do além maestro J.G. Comprei duas bicicletas e deixei uma com ele. Foram passeios e vida por mundos nunca dantes navegados.

João está acima de par e impar além de incomum, só o comparo a Einstein, Platão e outros grandes inventores, e para ilustrar essa afirmativa lembro alguns momentos com ele lá em Juá e no Rio de Janeiro: Mostrei para ele uns três poemas que nem existe porque se perderam naquele meu momento poético inicial, mas João consegui ver o meu potencial e disse-me que eu era poeta e convidou-me para ir com ele fazer música para a Bossa Nova, respondi que não iria em razão do meu plano de estudar Agronomia. Ele falou: “Você um dia vai fazer coisas no Rio e em São Paulo, porque você pensa e o mundo é de quem pensa”.

Passado alguns anos eu escrevi uma carta para João Gilberto dizendo-lhe que ia fazer o que ele disse , e viajei para a Cidade Maravilhosa, e o saldo foi a história Novos Baianos, escrita com arte vida, amor e futebol.

§O mesmo assunto é também foco de livro que Galvão prepara há anos e promete pra breve: João Gilberto, A Bossa: Mistérios da Música Revelados em Shows e Gravações.

§A imagem é pôster do show que Galvão apresenta hoje em Salvador, Teatro do Iderb: Poesia, a Língua de Deus e Minha.