Blog do Ronaldo Evangelista

Billy Blanco (1924-2011)
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Ronaldo Evangelista

A Bossa Nova foi uma avalanche. A modernidade de Tom Jobim e o poder de criação de João Gilberto foram tão intensos que toda a música feita na primeira metade do século XX imediatamente ganhou ares de pré e quase todas as moderníssimas revoluções dos anos 50 se perderam no bolo entre a geração 78 rotações e a grande novidade do LP, popularizado no fim da década.

Falar a real não era exatamente comum nas eras de ultraromantismo chic ou derramado, deboches e regionalismos pop – basicamente o escopo do consumo geral. A crueza emotiva sem cortinas de Dolores Duran e a casualidade leve e jazzística de Johnny Alf, por exemplo, eram pequenas revoluções em si mesmo, que hoje em dia só não caem no balaio generalizante de precursores-da-bossa-nova aos ouvidos de um seleto clube de ouvintes mais direcionados (ou saudosistas).

Billy Blanco, falecido nesta sexta-feira aos 87 anos, tinha um senso de humor fora do comum. Não exatamente no sentido de rir da vida, rá-rá-rá, que havia também uma boa dose de existencialismo nos seus personagens e situações. Mas naquele sentido de ironia fina, observação ácida, presença de espírito, sarcasmo romântico. Pra que orgulho? O infarto lhe pega, doutor, e acaba essa banca. Parece simples, mas pensa bem: entre as músicas da época, a maioria não dizia nada.

Os elementos de casualidade, os tais precursores, visão um passo adiante, eram vários: suas melodias quase faladas, o samba balançado e cotidiano, a ingenuidade maliciosa, as crônicas de situação e insights da vida. ''A banca do distinto'', composição sua de 1959, é uma obra-prima no desenrolar da letra:

a vaidade é assim, põe o bobo no alto e retira a escada
mas fica por perto esperando sentada
mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão

mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
todo mundo é igual quando o tombo termina
com a terra por cima e na horizontal

Sem prejudicar hoje o bom crioulo de amanhã, não acredite em tudo o que lê, confie no que ouve. O que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e medida. Três momentos favoritos de Billy Blanco, play abaixo.


Dolores Duran – A banca do distinto (1959)


Jorge Veiga – Estatutos de gafieira (1956)


Originais do Samba – Canto chorado (1969)


Apresentação de João Gilberto em São Paulo não está confirmada
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Ronaldo Evangelista

Segundo o Grupo Tom Brasil, que dirige as casas de espetáculos HSBC Brasil (em São Paulo) e Vivo Rio (no Rio de Janeiro), o show de João Gilberto em São Paulo, anunciado para o dia 3 de setembro, não está confirmado. Na programação do HSBC, no dia 3, há show com a dupla inglesa Swing Out Sister.

A assessoria de imprensa da casa informa que ''o que foi publicado pelo Estado e republicado por outros veículos sem checagem não confere''. As apresentações de João em São Paulo e no Rio (especulada para o dia 10 de setembro) estão agendadas ''para o segundo semestre'' mas, segundo a assessora do Grupo, ''ainda não confirmamos data, preço e nem início de vendas''.
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Na semana passada surgiu online página para venda de ingressos, dentro do site TicketBis, cobrando R$ 500 para garantir as entradas tanto no HSBC Brasil em SP quanto no Vivo Rio. Em resposta, a assessoria enviou comunicado informando ações contra a ''modalidade criminosa''. Logo abaixo, você a página vendendo o ingresso e o comunicado oficial do Grupo Tom Brasil.

COMUNICADO
À imprensa, clientes e parceiros

O HSBC Brasil e o Vivo Rio, casas de espetáculos em São Paulo e no Rio de Janeiro respectivamente, por meio de sua direção, Grupo Tom Brasil, informa que as vendas de nossos espetáculos são realizadas oficial e exclusivamente em nossa bilheteria e pela Ingresso Rápido (www.ingressorapido.com.br).

A www.ticketbis.com.br está realizando inadvertidamente a venda de ingressos para nossos shows. Esta empresa não tem contrato e nem direito de autorização para vender os nossos tíquetes. Estamos entrando em contato com o Procon, a Fapesp, órgão que registra domínios e hospedagem de sites, operadoras de cartão de crédito e também a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) a fim de coibir tal prática e informar ao público para que se proteja de danos financeiros e morais advindos desta modalidade criminosa.

Certos de contar com a atenção de todos,
Antecipadamente agradecemos.

Grupo Tom Brasil
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Caixa relança em CD seis primeiros do Zimbo Trio
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Ronaldo Evangelista

No auge da movimentação samba-jazz, 1964, enquanto destacavam-se formações instrumentais no Rio de Janeiro como o Sexteto Bossa Rio, o Copa 5 e o Tamba Trio, em São Paulo nascia o que tornaria-se o mais famoso e duradouro dos trios da cidade: o Zimbo Trio. Sempre na pegada, ritmo quente e arranjos ultradesenvolvidos, com mudanças de andamento, dinâmicas desafiadoras, altas convenções, mais Modern Jazz Quartet que cool da Costa Oeste.

Ainda na ativa hoje com novos membros sob a tutela do pianista Amilton Godoy, o Zimbo em sua fase inicial contava com o contrabaixista Luiz Chaves (falecido em 2007) e o baterista Rubinho Barsotti (aos 78 anos ocasionalmente convidado especial em apresentações), reunidos, há quase 50 anos, em torno da ambição de fazer mais que trilha para a noite e criar música brasileira moderna em arranjos sofisticados para um público idem, em teatros e casas de espetáculos, samba-jazz de câmara.

Entre 1964 e 1969 lançaram seis discos brilhantes pela gravadora RGE, testando todas as possibilidades do formato trio e experimentando com cordas e metais. De lá pra cá, os seis seguiam quase todos inéditos – excetuando-se o primeiro e o último dessa série, lançados em CD pela Som Livre em 2006. Agora, seguindo o modelo do recente box de Ed Lincoln, o selo Discobertas lança caixa de CDs com as seis primeiras obras-primas do Zimbo Trio.

Os discos foram remasterizados por Ricardo Carvalheira e saem com as capas originais. A caixa deve ser lançada até o final de julho. Em agosto, o Zimbo participa de evento de lançamento em São Paulo.
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Os seis álbuns do Zimbo Trio relançados no box:

Zimbo Trio (1964)
Zimbo Trio Volume 2 (1965)
Zimbo Trio Volume 3 (1966)
É Tempo de Samba – Zimbo Trio + Cordas (1967)
Zimbo Trio + Cordas Volume 2 (1968)
Decisão – Zimbo Trio + Metais (1969)
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Itamar Assumpção e Isca de Polícia ao Vivo no Teatro Funarte, 1983
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Ronaldo Evangelista

Comemorando a estreia do documentário Daquele Instante em Diante, esta semana, sobre Itamar Assumpção, logo abaixo em cinco partes registro inteiro de show que fez em 1983 no Teatro Funarte, com repertório baseado em seus dois essenciais primeiros discos (Beleléu Leléu Eu e Às Próprias Custas S.A.), acompanhado da banda Isca de Polícia: Suzana Salles e Virgínia Rosa nas vozes, Gigante Brasil na bateria, Paulinho Lepetit no baixo e Luiz Rondó Monteiro na guitarra. Clássico da reprise da Cultura e agora do YouTube.


Com suas canções redondas e de fluência orgânica, misterioso como um poeta beat do pop new wave brasileiro aliás paulista, de ''Oh! Maldição'' do Arrigo à sua ''Amanticida'', passando pelo sósia de Roberto Carlos, Itamar começa de visu até comportado, de macacão preto e camisa bufante amarela, e pelo caminho pega a guitarra pra um groove rápido.


Que black navalha você, Beleléu. ''Luzia'' vem com lero-lero-lero-lero, e depois ''Embalos''. Itamar estilosíssimo de óculos escuros e roupa já vermelha, com sua música teatral, esperta, onde tá sua malícia? Com seus causos de São Paulo de ponta a ponta, cabe samba dos anos 30, formatos e dinâmicas rock dos anos 60, funk elétrico dos anos 70, pós-tudo dos anos 80.


Um dos melhores momentos, ''Se eu fiz tudo'', pérola, cantada pelas meninas, mais ''Denúncia do Santo Silva Beleléu'' e o clássico ''Escurinho'' (de Geraldo Pereira), em versão itamarassumpçãozada. E agora, como é que fica afinal? Esta música, este funk, este samba, este rock n'roll, este jazz. Fica assim, uma nega.


Não venha querendo você se espantar: já de peito nu e jaqueta azul de nylon, Itamar comanda sua obra-prima em reggae (etc) Nega música – recentemente regravada pelas cariocas do Tono, veja você -, aqui cantada pela Virginia, enquanto Suzana abraça Itamar, que assiste tranquilo. Pra fechar o bloco Itamar canta paixão, solidão, canto de guerreiro, ''Prezadíssimos ouvintes'' (de seu terceiro álbum, Sampa Midnight). Quero agora cantar na televisão. Mas quem é me garante que esses microfones sempre funcionarão?


Denise Assumpção vem participar de outra obra-prima: ''Beijo na boca''. A vida não é mais que, se resume, vale mais? Pensei que você não ia mais me largar. Nu da cintura pra cima, com seus óculos escuros, Itamar aproveita pra criar um clima de intimidade com a câmera, conversar com operador, editor e público em casa e comanda orquestra de palmas na audiência, até cansar, pra fechar.


Instante em Diante
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Ronaldo Evangelista

Esse papo de maldito não tá com nada. Itamar Assumpção era um artista particular, cantor muito interessante, compositor de grandes momentos, figura gigante de sua própria história, sui generis e para todos. Seu som não vinha derivado de movimentos ou planos, mas mais fruto da busca do que de mais interessante tinha a oferecer, música artesanalmente costurada sobre riffs e linhas e beats de baixo e crônicas de canto falado com achados poéticos da vida de todo dia, da rua de toda noite, do romântico e do malaco, do esperto e do ingênio, do sofisticado e do mundano.

Com o recente lançamento da Caixa Preta, pelo Sesc, com todos os seus discos (e mais alguns), Itamar, falecido em 2003, anda mais vivo do que nunca. E agora, esta semana, estreia pelos cinemas o documentário Daquele Instante em Diante, de Rogério Velloso, com filmagens pessoais, de registros, depoimentos, cenas de apresentações, caseiras, de estúdio, mostrando uma história incrível e colocando Itamar no assunto de uma vez.


Seis perguntas para o Bixiga 70
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Ronaldo Evangelista

Semana passada, terça-feira, no Sesc Pompeia, Prata da Casa, foi uma noite linda: 800 pessoas lotando a choperia, outra centena pra fora sem ingresso, Bixiga 70 fazendo o melhor show de sua ainda curta e já intensa existência.

Pra pequena orquestra que começou há menos de um ano em festa em homenagem a Fela Kuti (e fez show dedicado ao mestre nigeriano na festa de lançamento de sua biografia), já é algo mais apresentar um repertório quase todo de músicas próprias, no esquema de lançar o primeiro disco.

Dez músicos, várias pegadas na soma: Cris Scabello na guitarra, Marcelo Dworecki no baixo, Décio 7 na bateria, Mauricio Fleury no piano elétrico, Romulo Nardes e Gustavo Cecci nas percussões, Cuca Ferreira no sax barítono, Daniel Gralha no trompete, Daniel Nogueira no sax tenor e Douglas Antunes no trombone de vara.

O próximo show da banda é no sábado, em Araraquara, e aproveitei para contar as origens secretas do Bixiga 70 e o ponto atual de sua história em conversa com o pianista e maestro Mauricio Fleury, seis perguntas abaixo.
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Como foi o processo de formação da banda, quando e como vocês se juntaram com essa ideia pela primeira vez?

Nós começamos a tocar juntos durante a gravação do disco do Pipo Pegoraro, no estúdio Traquitana. O Marcelo Dworecki (baixo), o Cris Scabello (guitarra) e o Décio 7 (bateria) já tocavam com o Pipo e foi assim que eu os conheci. Depois da gravação, que já apontava para uma sonoridade afro, nós continuamos conversando, ouvindo e trocando sons africanos que a gente curtia. A partir daí, o Décio começou a convidar outros músicos e a coisa começou a andar. Nosso primeiro ensaio foi em agosto e o primeiro show em outubro de 2010, na Festa Fela de São Paulo.

A principal influência da banda é o afrobeat? Que outros caminhos vocês tem encontrado ultimamente?

O afrobeat é uma influência forte para a gente, sem dúvidas, mas nós também somos muito influenciados pelos ritmos afro-brasileiros do candomblé, e por artistas daqui como Pedro Santos, Os Tincoãs e Gilberto Gil. A música africana de uma forma mais geral (ritmos como o Malinké da Guiné, o Sabar de Senegal, o Highlife nigeriano, entre outros) também está presente na nossa combinação de ritmos. Além disso tudo, rolam influências de cumbia, funk, jazz, dub e todo o resto… cada um dos dez vem de uma escola diferente e isso só acrescenta no processo.

Que versões vocês costumam tocar ao vivo? Já estão com repertório de músicas autorais, todos compõem?

Ao vivo, costumamos tocar algumas do K. Frimpong, um grande compositor, cantor e guitarrista de Gana, também tocamos uma ou outra da Budos Band. Do Fela Kuti nós tocamos várias ao longo dos shows, mas a que nunca falta é ''Opposite People'', nossa preferida. ''Desengano da Vista'' (do disco Krishnanda, de Pedro Santos) é uma que também está sempre no nosso repertório. Já temos várias músicas autorais, os principais compositores da banda são o Décio, o Cris, o Marcelo, o Cuca (sax barítono) e eu. Mas todos da banda acabam contribuindo muito na hora do arranjo.

Qual a relação da banda com o estúdio Traquitana (na rua Treze de Maio, 70, Bixiga)? O que de mais interessante acontece recentemente por lá?

Essa relação é total, acho que a banda dificilmente existiria se não fosse o estúdio, que tem espaço para todo mundo e funciona como nosso quartel-general. Recentemente, quem passou por lá foi o Tatá Aeroplano, a Trupe Chá de Boldo, Anelis, Leo Cavalcanti, Thaide, Márcia Castro, Cachorro Grande, Bruno Morais, Nhocuné Soul… Sempre tem gente legal colando.

Vocês já gravaram o primeiro disco? Só autorais? Quem produz e participa, quando sai?

Já gravamos. Quase todas são autorais, já que gravamos o ''Desengano da Vista'' do Pedro Santos. Deve sair no segundo semestre e foi produzido por nós e pelo Victor Rice, no estúdio Traquitana. Gravamos todo mundo tocando junto e agora estamos mixando as primeiras músicas.

Quais as outras bandas mais interessantes em que se envolvem membros do Bixiga?

Todos os integrantes possuem projetos paralelos ou acompanham outros artistas, são tantos que ficaria difícil lembrar de todos. O Cris toca com a Anelis e com o Rockers Control, o Décio também é do Rockers, toca com o Leo Cavalcanti, Pipo Pegoraro; o Marcelo também toca nessas duas últimas e tem a Banda Estrombólica, o Dani Boy (sax tenor) tem uma big band, que é o Projeto Coisa Fina, o Doug Bone (trombone) toca com a Black Rio e outras inúmeras bandas; o Daniel Gralha (trompete) toca no Projeto Nave que é a banda do programa Manos & Minas da TV Cultura e também no Otis Trio que é uma banda de jazz classe A, e é disso que eu consigo lembrar agora.
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Fotos das gravações do álbum do Bixiga 70.
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Celia 1971/1972
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Ronaldo Evangelista


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De hoje a domingo, no Sesc Vila Mariana, Celia se apresenta com a ocasião especial de comemorar 40 anos de carreira, completados em 2010 – em 2011, comemoramos 40 anos de sua primeira gravação.

Seus dois primeiros discos, de 1971 e 1972, há tempos que são altamente cultuados no meio de colecionismo de vinis e difusão pela internet. Agora, pela primeira vez, a qualquer momento chega às lojas de CD que ainda existem versão dois-em-um dos dois álbuns, pela Warner, dona do catálogo da Continental, que lançou os LPs originais.

História que se cruza com a de Celia é a do grande maestro Arthur Verocai, que, depois de trabalhar nos primeiros discos e hits de Ivan Lins e Celia, em 1972 gravou álbum absolutamente ímpar na história da música brasileira, cheio de ideias ousadas e sons revolucionários, hoje em dia discografia básica de produtores e rimadores de hip-hop por todo o planeta.

Aproveitando o momento do show e o relançamento de seus dois incríveis primeiros discos, conversei com a Celia sobre sua história, a gravação e o impressionante repertório dos primeiros LPs, sua relação com Verocai e os fãs que hoje formam fila para pedir seu autógrafo: os rappers de São Paulo.
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Como você chegou a primeira vez na Continental?

Foi tudo muito sem querer. Eu dava aula de violão, era a cantora que estuda música. Estudei muitos anos, fiz teoria, harmonia, composição, orquestração, aquelas coisas que se usavam. Quer dizer, usava também até a página 3, né? (risos) Eu estudava música, dava muita aula e cantava, mas não profissionalmente. Todo mundo achava o máximo, mas eu sempre fui muito crítica comigo.

Até que uma amiga, Elody, me apresentou um empresário chamado Waldomiro Saad e o Waldomiro me apresentou o maestro Pocho Perez, um mexicano que vivia aqui no Brasil e era diretor artístico da Continental. Ele me disse, ''menina, por que você não grava um LP?'' Eu disse, ''eu gravo, como é que faz?'' Então ele falou, ''passa amanhã na avenida Sete de Abril'' – a Continental era lá – ''que eu já quero assinar um contrato com você''.

Na época o diretor da gravadora era o Rodrigues e não sabia de nada, quando chegou falou ''quem é essa porra dessa Célia aqui?'' O Pocho disse, ''é uma moça assim e assim''. Chegou Agostinho do Santos e parece que desfiou um rosário de maravilhas sobre mim. Aí o diretor da gravadora disse, ''já que vocês fizeram isso, agora dêem todas as condições pra ela''.

A Continental era uma gravadora sertaneja e estava querendo investir nessa coisa de MPB, então botou todas as fichas em mim. Consegui arranjadores maravilhosos, como o Rogério Duprat e o Arthur Verocai.

Os dois discos são cheios de músicas inéditas e muito modernas. Como vocês chegaram nesse repertório?

Fui fazer o meu primeiro LP com uma lista de compositores que começava com Antonio Carlos Jobim e terminava com Vinicius de Morais. E eu ali, a Célia de São Bernardo do Campo. Quem me ajudou, muito, foi a Joyce, que era amiga da Elody e fez a ponte com o pessoal todo. Se não fosse a Joyce na época seria a maior saia justa pra chegar até essas pessoas, pedir música, escolher repertório.

A Joyce mesmo me enchia de música, ''Abrace Paul McCartney'' é uma maravilha. Gravei também o Nelson Ângelo, que era marido dela na época. Gravei ''Para Lennon e McCartney'' antes do Milton. Também o Lô e o Márcio Borges, o pessoal de Minas era muito chegado. E Egberto Gismonti. Uma maravilha, foi uma época muito produtiva.

Do Ivan Lins sempre gravei coisas. Nessa época ele ainda nem compunha com o Vitor Martins – tanto que no meu segundo disco tem músicas do Vitor com Arthur Verocai. No primeiro gravei também ''Adeus Batucada''. De repente, diziam ''quem é essa garota que tá começando a cantar com 20, 21 anos e vindo com uma música de Carmen Miranda da década de 30?'' Foi exatamente esse tipo de coisa que chamou atenção da imprensa na época.

O segundo tem inéditas do Erasmo, do Zé Rodrix, do Marcos Valle.

''Detalhes'', Roberto Carlos me deu. ''A hora é essa'' é inédita mesmo, do Erasmo e do Roberto. Eles faziam muita coisa inédita pra mim. Liguei pro Erasmo e pedi, ele fez ''A hora é essa'', depois fez ''Nasci numa manhã de carnaval'', que gravei em compacto. Eles mandavam em fitinha. (risos) Ou eu ia pra casa deles no Rio e a gente gravava em cassete, eu trazia pra casa e aprendia. Erasmo sempre foi uma pessoa muito querida, Roberto também, muito bonito.

O Zé Rodrix morava aqui em São Paulo, sempre morou. Ele me mandava um monte de músicas e eu escolhia, gravei ''Vida de artista''. O Ivan também me mandava um monte e eu escolhia. ''Dominus tecum'', do Marcos Valle, ele fez, eu gravei primeiro e ele gravou depois. E depois foi até um tema de novela. O Marcos tinha uma casa na Urca, maravilhosa.

Tom Jobim também, fui até a casa dele de gravador na mão. Em cima do piano dele tinha tralha que não acabava mais, ele dizia ''ninguém mexe aqui na minha bagunça''. Fui à casa dele e no dia em que fui ele estava compondo ''Águas de março''.

Uau. Uma característica que sinto da sua interpretação, além de deixar as coisas simples mais sofisticadas, é de deixar as coisas sofisticadas com uma casualidade poética, uma coisa cotidiana muito charmosa.

No segundo disco gravei Tom Jobim e um bolero do Armando Manzanera, coisa que ninguém fazia. Me perguntaram por que gravei esse bolero, eu falei ''ah, porque eu quis, né?'' Me perguntavam, ''mas qual é a linha?'' E eu, ''linha?''

A crítica dizia que eu precisava ter uma linha, e eu mandei todo mundo à merda na época. Mandaria de novo hoje, quem foi que disse que eu tenho que seguir regras? Quem tem que ter linha é o Bergman, que é cineasta. Eu sou uma intérprete. A partir do momento em que misturo Benito di Paula com Antonio Carlos Jobim já perdeu a linha. Eu sou uma desalinhada. (risos)

O Verocai me contou que gravou o disco dele graças a você. Como você o conheceu?

Foi o Ivan que me apresentou o Verocai. Ele trabalhava com o Ivan, que um dia me disse ''nossa, preciso te apresentar um maestro maravilhoso''. No meu primeiro disco o Verocai fez um ou dois arranjos, fez ''No clarão da lua cheia'', do Ivan. Gostei tanto que no seguinte ele fez tudo, todos os arranjos do meu segundo disco.

Aí falei, ''agora precisa fazer um LP instrumental na Continental''. Consegui pra ele fazer o LP dele, onde ele está sentado na capa. Como eu virei a rainha da Continental, virei um dia e falei: ''Tem um maestro aqui que é maravilhoso e quer fazer um disco instrumental. Por favor lancem pra mim.'' E a Continental dizia ''pois não''. Ele fez com todas as cordas e pompa e circunstância que quis, não teve problema nenhum.

No meu segundo disco gravei do Veroca ''Na boca do sol'' e no disco dele participei cantando aquela música ''Seriado'', que também cantei no show que ele fez no Sesc Pinheiros. No show ele falou, ''minha carreira devo a essa moça aqui''. Eu disse, ''sua carreira você deve a você''. E ele, ''ah, mas se você não me empurrasse… música instrumental?''

Eu estava no show dele, foi lindo.

Quando fui fazer o show do Verocai, vários garotos chegaram com LPs meus na mão. Pensei, ''é por causa do que eu fiz com o Verocai'', mas eles tinham os meus dois primeiros LPs! O Danilo Caymmi falou pra mim: ''Que isso?! Isso é coisa de paulista, carioca não faz isso. Ninguém vai num show meu com um monte de LPs.'' (risos)

Era uma fila de garotada, aí falei: ''Olha, vou fazer uma pergunta, como é que vocês tem o meu disco?'' O que eles me disseram é que todos os rappers tem os meus discos, inclusive fazem muito trabalho em cima deles. Fiquei extremamente feliz, foram mais de 50, 60 discos que eu autografei.

Vou fazer em setembro show no Sesc Pinheiros e vai ter uma noite que vou chamar rappers pra fazer comigo. Eles fazem parte da minha vida. Essas coisas novas, de primeira classe – como os rappers, cantoras como a Fabiana Cozza – a gente tem que prestar atenção, senão envelhece.
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Os dois LPs obra-primas que estão saindo compiladas em um CD, pela Warner:

CELIA (Continental, 1970)
Arranjos de Pocho Perez, José Briamonte, Rogério Duprat e Arthur Verocai

01 Blues (Capinan / Joyce)
02 No clarão da lua cheia (Ronaldo Monteiro / Ivan Lins)
03 Durango Kid (Toninho Horta / Fernando Brant)
04 David (Nelson Ângelo)
05 To be (Joyce)
06 Abrace Paul McCartney (Joyce)
07 Pelo teletipo (José Jorge / Ruy Maurity)
08 Adeus batucada (Sinval Silva)
09 Para Lennon e McCartney (Márcio Borges / Lô Borges / Fernando Brant)
10 Zózoio Como é que é (Nelson Ângelo)
11 Fotograma (Tibério Gaspar / Antônio Adolfo)

CELIA (Continental, 1972)
Arranjos e regência do maestro Arthur Verocai

01 A hora é essa (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
02 Toda quarta-feira depois do amor (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
03 Dominus tecum (Paulo Sergio Valle / Marcos Valle)
04 Ay Adelita (Piry Reis / João Carlos Pádua)
05 Vida de artista (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
06 Mia (Armando Manzanero)
07 Na boca do sol (Vitor Martins / Arthur Verocai)
08 Em família (Tom / Dal)
09 Detalhes (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
10 É preciso dizer adeus (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
11 Dez bilhões de neurônios (Zezinha Nogueira / Paulinho Nogueira)
12 Badalação (Bahia volume 2) (Nonato Buzar / Dito / Tom)
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Clipe novo do Emicida: Então Toma
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Ronaldo Evangelista

Talvez a coisa mais interessante de Emicida, além de sua expressão como rapper, é a maneira natural com que lista imagens, junta referências, amontoa parcerias, aglutina conceitos, apresenta seu trampo. Em seu clipe novo, lançado esta tarde de quinta, ''Então Toma'' (da mixtape Emicídio, do ano passado), tira onda máster de terno e gravata e atuação, participação de Criolo e aparições de Zeca Baleiro, NX Zero e Renato Teixeira. Com direção do mesmo Fred Ouro Preto que fez o muito ótimo ''Triunfo'', mil leituras da cidade, das ideias, do mundo hoje, dos destinos possíveis e do rap no Brasil nos nossos tempos. E fica a dica: não é de bom tom ter uma pessoa amarrada na sala de casa.


uma forma antropofágica de relação com a cultura
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Ronaldo Evangelista

Em agosto de 1968, Caetano e Gil integravam um espetáculo da empresa têxtil Rhodia e planejavam como injetar mais Tropicália no zeitgeist da música brasileira. Um dos grandes projetos era o especial de TV Vida Paixão e Banana do Tropicalismo, escrito por Torquato Neto e José Carlos Capinan para a Rede Globo, com grandioso elenco e anarquias a granel.

Nunca foi o planejado (a Rhodia quis mexer, depois não quis patrocinar, depois a Globo adiou várias vezes a exibição), mas na noite de 23 de agosto de 1968, foi registrado o piloto, na gafieira Som de Cristal, na rua Rêgo Freitas, centro de São Paulo. Detalhe muito simbólico é que Vicente Celestino, que passou a tarde no estúdio ensaiando para sua participação, morreu à noite, logo antes de começarem a gravação – primeira vítima fatal da Tropicália.

O que finalmente foi ao ar, no dia 27 de setembro, levou o nome de Direito de Nascer e Morrer do Tropicalismo, hoje só na memória de quem assistiu ou estava presente. Pra posteridade, logo abaixo, as 14 páginas do roteiro original de Torquato e Capinan, com aparições de Chacrinha, Aracy de Almeida, Linda e Dircinha Batista, Nara Leão, Tom Zé, Gal Costa, Grande Otelo, Os Mutantes, Rogério Duprat, Jorge Ben e Dalva de Oliveira – todos presentes na gravação em carne e osso.








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Roteiro via.
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